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Adriano Gianturco

Adriano Gianturco

“Politics over policy”

As políticas públicas, reféns da politicagem

Câmara
Deputados e senadores protestam contra a prisão domiciliar de Bolsonaro e pedem anistia e impeachment de Moraes. (Foto: Ana Carolina Curvello/Gazeta do Povo)

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Estamos presos na politicagem e nas fofocas de alto nível, e não discutimos políticas públicas. Só falamos de Donald Trump, declarações de Lula, Alexandre de Moraes, viagens de Janja, tarifaço, fraude do INSS, prisão de Jair Bolsonaro, obstrução, cassação de deputados, acordo entre a minoria e Hugo Motta, jantar do STF, encontro com banqueiros, para onde vai Gilberto Kassab, Daniel Silveira, Filipe Martins, Carla Zambelli, os movimentos de Luís Roberto Barroso, o vídeo de Bolsonaro, manifestações, declarações de Gilmar Mendes, avião russo. Enquanto isso, estão em jogo questões importantíssimas como o novo Código Eleitoral, a reforma do Código Civil, a lei de licenciamento ambiental, as reformas tributária, administrativa e do Judiciário, e a abertura comercial.

Enquanto se discute quem será o candidato da direita, o Congresso leva adiante um novo Código Eleitoral que exclui a possibilidade do voto impresso e prevê o aumento de sanções contra quem espalhar supostas fake news, com reclusão de até quatro anos, e aumenta as penas para quem questiona o sistema de votação, com agravantes em caso de uso de redes sociais ou discriminação racial; as penas sobem até dois terços quando se faz impulsionamento ou disparo em massa. A direita será ainda mais reprimida; neste cenário, pouco importa quem será o candidato.

Enquanto focamos na “politics”, na política e na politicagem, leis com grande impacto são aprovadas e grandes reformas estruturais são barradas

Estamos mais focados na possível ida de Rodrigo Pacheco ao STF, mas, enquanto isso, o senador está propondo uma enorme reforma do Código Civil que muda 54% do texto original, retira 897 artigos e os substitui com 300 novos. É prevista a ampliação do conceito de família para “família parental”, ampliação dos direitos dos animais, novas regras para herança e sucessão; redução dos prazos para prescrição de 10 para 5 anos; limite de juros por inadimplência em 2% ao mês (intervencionismo puro); aumento de regras e imposições para redes sociais, a ampliação de conceitos vagos não cientificamente fundamentados como “privacidade mental”, “neurodiretos” e “transparência algorítmica”, “direito ao esquecimento” e “direito à desindexação”, que permite pedir retirar da internet até fatos verdadeiros e lícitos.

Ficamos de olho nas bizarrices da COP-30, mas, enquanto isso, o Congresso aprovou uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que tenta reduzir burocracias e aumentar a segurança jurídica dos investimentos. Lula a promulgou com 63 vetos que alteraram substancialmente o projeto. Os vetos eliminaram pontos essenciais, como a expansão da Licença por Adesão e Compromisso para atividades de médio impacto; a dispensa de licenciamento para empreendimentos com pendências no Cadastro Ambiental Rural; e o licenciamento unificado, que agilizaria projetos estratégicos. Também foram mantidas exigências rigorosas para consultas a comunidades tradicionais. A lei preserva avanços como o licenciamento acelerado para atividades de baixo impacto, prazos mais claros e unificação de normas dispersas. O Congresso Nacional agora analisará os vetos presidenciais.

VEJA TAMBÉM:

No sentido oposto, outras reformas não andam por motivos políticos: a reforma tributária, a reforma administrativa, a reforma do Judiciário e a abertura comercial.

Na ciência política, fala-se em politics over policy. Policy é a política pública; politics são as relações, eleições, alianças, ameaças, articulações, estratégias e táticas usadas para ganhar poder (o que no Brasil é chamado de politicagem). A politicagem domina a agenda de políticas públicas. Vejam, por exemplo, como a anistia e o impeachment de Moraes são barrados por articulações, favores e ameaças. E como entrou em pauta a abolição do foro privilegiado (uma policy) por uma questão de politics.

Eu mesmo me encontro nessa armadilha. Meu artigo mais lido até agora nesta coluna foi sobre Janja! Enquanto focamos na politics, na política e na politicagem, leis com grande impacto são aprovadas e grandes reformas estruturais são barradas. O debate público foca mais no primeiro que no segundo aspecto. Estamos nos distraindo e perdendo tempo.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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