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Adriano Gianturco

Adriano Gianturco

Julgamento

Transformaram Bolsonaro em um mártir

O ex-presidente Jair Bolsonaro em manifestação política na orla de Copacabana, em 21 de abril de 2024.
O ex-presidente Jair Bolsonaro durante manifestação política na orla de Copacabana, em 21 de abril de 2024. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

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Por 28 anos, Bolsonaro foi um deputado do baixo clero, praticamente desconhecido em nível nacional. Os eventos que ampliaram sua notoriedade foram o programa CQC e a discussão com Maria do Rosário.

A crise econômica, as pedaladas fiscais de Dilma e a Operação Lava Jato alimentaram o sentimento antipetista. Bolsonaro surfou essa onda. No início, o voto nele era mais um voto de rejeição — “contra tudo que está aí”.

Num país que, à época, registrava quase 70 mil homicídios por ano, ninguém nos debates presidenciais falava de segurança pública, porque havia complacência. O primeiro a fazê-lo foi Bolsonaro.

Veio a campanha eleitoral. Inicialmente, diziam que não era “uma candidatura séria”; depois, que “tinha um teto”. Nas entrevistas, mais do que questionar suas propostas, insistiam em sua opinião sobre a ditadura militar. Quando suas chances de vitória ficaram mais evidentes, veio a tentativa de homicídio. A facada o levou a outro patamar. A percepção foi de que os “poderes fortes” não o queriam, e isso gerou empatia. “O que não te mata, te fortalece.” Bateram tanto nele que, mesmo sem participar dos debates de TV, passou a ser o centro das atenções. Tornou-se o protagonista indiscutível e venceu.

Em 2018, já escrevi que quem elegeu Bolsonaro foram os que chamavam seus apoiadores de fascistas; foram as pedaladas fiscais; foi a cuspida de Jean Wyllys; foram as manifestações de MST, MTST e black blocs, que queimaram pneus, urinaram em vias públicas e depredaram símbolos nacionais ou imagens de Bolsonaro; foram os que chamavam Sérgio Moro de agente da CIA; foi a “boa cova” de Mauro Iasi; foram os que aparelharam o Estado, dividiram o povo entre “nós” e “eles”, colocaram um “poste” na Presidência (Dilma), gritaram “é golpe!” e tentaram pôr outro “poste” (Fernando Haddad). Foram a esquerda radical e o sistema juntos.

Durante seu governo, enfrentou oposição de todas as formas. Entre 2019 e 2020, o STF decidiu contra o Executivo 123 vezes. Por exemplo: quando autorizou União, Estados e Municípios a obrigarem a vacinação contra a COVID-19; quando pediu explicações sobre o decreto das armas; e quando anulou o indulto a Daniel Silveira. Na pandemia, de fascista e nazista passou a ser chamado de genocida.

Depois do mandato, piorou. Chegou a responder a quase 600 processos. Foi acusado de criticar as urnas eletrônicas diante de embaixadores e até de importunar uma baleia — processo arquivado, mas que serviu para descredibilizar qualquer ação judicial contra ele.

E veio a maior injustiça: o processo do golpe. Mudaram a regra do foro privilegiado para julgá-lo no STF mesmo sem cargo; colocaram o caso na 1ª Turma, e não no Plenário; escolheram o relator sem sorteio; usaram delações de Mauro Cid mesmo com diversas contradições; atribuíram-lhe tentativa de golpe e subversão da ordem democrática, que são a mesma coisa; o processo tramitou numa velocidade inédita; apresentaram 70 terabytes de supostas provas (equivalentes a 35 a 460 milhões de livros) na última hora; julgaram-no por uma minuta cuja íntegra não existe, apresentada em reunião da qual não participou e que jamais foi posta em prática.

Como se não bastasse, quatro dos cinco juízes são claros inimigos políticos dele. Depois dos nazistas em Nuremberg, Bolsonaro seria o segundo caso de alguém julgado por seus próprios inimigos. Além disso, é o único processo em que a vítima é, ao mesmo tempo, investigadora, acusadora e julgadora.

Uma injustiça tão flagrante que supera qualquer crime que possa ter cometido. Não tenho simpatia por Bolsonaro, mas mesmo que tivesse cometido homicídio, regicídio, genocídio ou pedofilia, não poderia ser julgado dessa forma. Nem ele, nem ninguém.

Se sua vida política terminar aqui, será lembrado por essa grande injustiça final. Será visto como um mártir. E quem está construindo essa figura potente não são seus apoiadores, mas seus algozes. Quando for lembrado como mártir, agradeçam a eles.
Não derrotaram o bolsonarismo. Muito pelo contrário.

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