Ouça este conteúdo
Roani Sampaio, a “Miss Sempre Linda”, é uma jovem de 19 anos que tentava a vida como influenciadora digital até ser protagonista de um crime que poderia ter acabado em tragédia. Seu perfil pessoal no Instagram tem quase 30 mil seguidores, gente que acompanha suas fotos de biquíni, entre outras banalidades de adolescente.
Numa visita à São Luís (MA), o empresário Abel Landim conheceu Roani e marcaram um encontro na sua casa em Teresina. Segundo a polícia, a influenciadora combinou com o namorado Francisco Moisés Júnior, 26 anos, assaltar a casa do empresário enquanto ela estivesse lá.
Os bandidos entraram na casa de Landim, como planejado. Ele foi amarrado, imobilizado e agredido. A vítima desconfiou das atitudes de Roani, que acabou sendo desmascarada e presa com o namorado. O caso é recente e ainda está sendo investigado. A imprensa local diz que a influenciadora é prostituta e estava fazendo sexo com Landim quando seus comparsas chegaram.
O empresário disse que “confiou” e convidou uma estranha para sua casa por ser “uma pessoa pública”. O influenciador digital hoje não é apenas alguém que chama atenção, como Roani Sampaio, pelas fotos desinibidas, pelas platitudes que diz ou pelas bugigangas que vende. Há um mercado bilionário de “marketing de influência” que vai muito além do número de seguidores de um perfil em redes sociais ou audiência em lives, dados falseáveis com robôs.
Foi pelo carisma e poder de influência que Charles Milles Manson (1934-2017) conseguiu chocar a América no final da década de 60 e enterrar a ideia de que tudo que envolvia a geração Woodstock era apenas rebeldia, sexo livre, drogas, música e uma negação do estilo de vida dos pais, como mostra o mais recente filme de Aaron Sorkin, o hagiográfico e apologético “Os 7 de Chicago”.
Manson foi um homem do seu tempo. Criou uma comunidade alternativa que chamava de “família”, uma ideologia antissistema com uma escatologia própria, um discurso pronto para que “homens de ação” cometessem crimes hediondos em nome de suas visões lisérgicas. Usando jovens desmiolados como armas, Manson fez de suas ideias o gatilho.
Não há provas de que Manson tenha participado diretamente dos crimes conhecidos como “Tate-LaBianca”, que incluíram o assassinato da atriz Sharon Tate que chocou o mundo, ou que tenha matado qualquer uma daquelas setes pessoas. Mesmo assim, Manson foi condenado a morte, pena depois comutada para prisão perpétua, pelo conjunto de ideias que colocou na cabeça dos autores dos homicídios brutais de 9 e 10 de agosto de 1969 em Los Angeles.
Um dos mais famosos criminosos de todos os tempos era também um músico frustrado e um manipulador muito acima do normal, como mostra a série “Mindhunter” e o premiado filme “Once Upon a Time in Hollywood”, de Quentin Tarantino, ambos disponíveis no streaming. Ele começou seduzindo mulheres adolescentes e depois, com o tempo, sua “família” foi abrigando homens e se tornando uma “comunidade” com todos os requisitos de seita. Seus seguidores acreditavam que Manson tinha dons sobrenaturais, era um enviado de Deus e que estava “sempre certo”. O consumo desenfreado de LSD tirou o que ainda restava de racionalidade na mente daqueles jovens que se tornaram instrumentos para a fúria assassina do líder.
Sem acesso à internet ou redes sociais, encarcerado por quase 50 anos, Manson fazia parte da imaginação popular e exercia um claro fascínio sobre muita gente. Mesmo preso e condenado, há relatos de que recebia dezenas de milhares de cartas por dia, muitas delas de mulheres pedindo o monstro em casamento. Um tempo em que ele estivesse espalhando ideias nas redes sociais não seria melhor, para dizer o mínimo.
Um novo mundo cria novas possibilidades, oportunidades e problemas que demandam atenção da sociedade, em especial dos legisladores e do judiciário. Como responsabilizar um influenciador digital que dissemina ideias tóxicas por crimes cometidos por seguidores de miolo mole sem cercear a liberdade de expressão? Por que um influencer é menos responsável do que Manson por crimes que não participou, mas incutiu na cabeça de seus seguidores?
Se não há participação direta no ato delituoso, é possível estabelecer um nexo causal entre o que diz o influenciador digital e o que fazem idiotas que cometem atrocidades a partir de comandos, explícitos ou não, dados por ele em seus perfis? Como identificar e punir o Charles Manson digital dos dias de hoje?
O brasileiro tem o pé atrás em relação ao “establishment”, o “sistema” e as “elites”, e há motivos de sobra para isso. Desde os tempos coloniais, é governado por uma oligarquia com pouca empatia e que mantém uma relação extrativista e vampiresca com o país. É desse desdém que nasce o joio populista, messiânico e demagógico de políticos que, em nome do povo, jogam o Brasil ainda mais fundo no poço da miséria e do atraso.
Um povo cético e reticente em relação às instituições democráticas e à elite é um terreno fértil para todo tipo de aproveitador e golpista. As redes sociais não inventaram as práticas de gente como Roani Sampaio, mas amplificaram exponencialmente seu alcance. Basta um celular na mão para se tornar um influenciador e, seguindo alguns passos básicos com algum talento e dedicação, a fama, o poder e a fortuna não estão muito distantes.
Não vou especular como o guru hippie satânico da vida real se sairia se estivesse na casa dos 35 anos hoje, como na época dos seus crimes mais famosos, e pudesse dispor das redes sociais para espalhar sua ideologia e angariar seguidores, explorando as fragilidades, ressentimentos e falta de propósito de muitos jovens perdidos, sem estrutura familiar e sólidos valores morais, mas é impossível fingir que o problema não existe.
É perfeitamente possível que se Manson se tornasse um influenciador digital relevante o suficiente para causar estragos de grandes proporções. Se não refletirmos sobre estes riscos e pagarmos para ver, o final da história pode ser um Helter Skelter.