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Uma eleição com mais de 3 mil anos de história
| Foto: Pixabay

Numa semana em que o assunto mais quente foi, tristemente, uma alegada apologia à ideologia mais antissemita já criada e responsável pelo genocídio de seis milhões de judeus, vale resgatar a sabedoria do Velho Testamento, herdada da Torá, um dos pilares do que se entende por Ocidente.

O Êxodo, segundo livro da Bíblia, relembra eventos históricos provavelmente ocorridos por volta de 1.200 a.C. Um erro nesta datação levou muitos especialistas, mesmo religiosos, a crerem que era um relato ficcional, mas essa é uma discussão que foge do escopo deste artigo. A saída do povo hebreu escravizado do Egito, que dá origem a Pessach, ou a "Páscoa Judaica", é comemorada até os dias atuais. Em 2022, a festa será de 15 a 23 de abril. Este que vos escreve acredita que é a descrição de eventos históricos, mas sigamos.

O regime político do antigo Egito era uma monarquia absolutista e teocrática, como qualquer colegial sabe, comandada por um líder que reunia os papéis de rei e sacerdote supremo. Eles tinham poder de vida e morte sobre todos os súditos já que seriam descendentes diretos do deus Hórus. O nome "faraó", pelo qual ficaram conhecidos, não era usado pelos egípcios e tem origem judaica.

Podemos entender o Antigo Egito como arquétipo da ditadura perfeita, aquela em que o mandatário tem poderes absolutos que são justificados por divindades. Quando o papel do líder de uma nação não tem limites, a tendência natural é um regime totalitário com um povo (ou parte dele)  escravizado. Os hebreus, povo escolhido pelo Deus de Abraão, não poderia se submeter a um autocrata que reinava com violência e exigia ser tratado como uma divindade. A fuga era questão de tempo.

Deus resolveu intervir diretamente e livrar os hebreus do jugo egípcio. Ele falou com Moisés, prometendo a seu povo "uma terra boa e vasta, onde manam leite e mel" (Êx 3,8). A terra prometida forneceria alimento farto e liberdade aos imigrantes. O resto é história: Moisés comanda o povo para fora do Egito, abrindo o Mar Vermelho, mas essa é apenas a primeira parte da saga. Em vez de Canaã, os fugitivos vão para o deserto onde vagam por quarenta intermináveis anos.

Durante a viagem, Moisés tem que lidar com um povo rebelde e que vivia protestando: "Quem dera a mão do Senhor nos tivesse matado no Egito! Lá nos sentávamos ao redor das panelas de carne e comíamos pão à vontade, mas vocês nos trouxeram a este deserto para fazer morrer de fome toda esta multidão!" (Êx 16,3). Deus ouviu as queixas e forneceu pão do céu (maná), uma prefiguração da Eucaristia, na quantidade certa para que continuassem sua caminhada. "Ninguém deve guardar nada para a manhã seguinte", ordenou-lhes Moisés" (Êx 16,19). A benevolência de Deus não leva à fartura, mas à subsistência. É você quem deve, depois de alimentado e saciado, correr atrás do que quer, usufruindo plenamente de sua liberdade e recursos.

No Monte Sinai (Êx 24), Deus fornece a Moisés o norte moral que guiará o Ocidente pelos próximos milênios e sela sua Aliança. Quando o profeta desce (Êx 32), encontra o povo adorando um bezerro de ouro, uma imagem inspirada num dos falsos deuses egípcios, o touro Ápis. Moisés destrói o ídolo e comanda um expurgo sacrificial como penitência. Deus aceitou o arrependimento do povo e perdoou, selando novamente a Aliança. Os israelenses voltaram a falhar outras vezes, com graves consequências, mas seguiram seu caminho em direção a Deus.

O Brasil viveu 13 anos sob um regime com toques de messianismo em que muitos se tornaram prisioneiros, ao menos mentalmente, e precisavam se libertar. Ao enfrentar as agruras do "deserto", passaram a ter nostalgia da sensação de segurança dos tempos da escravidão e adorar um bezerro de ouro, uma nova versão dos mesmos falsos ídolos anteriores. Um dos mais primorosos diálogos da literatura, "O Grande Inquisidor" de Dostoiévski, reproduz com maestria essa luta eterna entre segurança e liberdade.

O único caminho para chegar à terra prometida, ontem e hoje, é não cair na tentação fácil dos discursos demagógicos dos falsos ídolos e seguir andando. Durante toda a jornada, embusteiros aparecerão prometendo acabar com suas dores em troca de devoção e, claro, muitos vão cair no conto (ou tomarão a pílula azul, para o nerds).

Haverá um momento em que apenas duas opções vão parecer viáveis: o culto ao bezerro de ouro ou a volta ao faraó. Deus estará sempre pronto para lembrar você de que há alternativas e cabe a você manter a fé e seguir em frente. Apesar dos altos e baixos da viagem, olhe para frente e continue.

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