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O ministro Luiz Fux foi quem abriu caminho para que Débora pudesse estar de volta aos filhos, meninos com menos de 10 anos, que passaram 743 noites sem o beijo de boa-noite da mãe, sem o café da manhã preparado pela mãe, sem a despedida da mãe ao saírem para a escola. Na escola, filhos de mãe presa, “golpista” em “associação criminosa armada, para abolir o Estado Democrático de Direito”, terão sofrido bullying? Com a renda da cabeleireira cortada, pois já não poderia cortar e pentear cabelos, o que teria acontecido na economia daquela casa, antes sustentada por dois? Como somos humanos, ficamos curiosos. Fux pareceu escandalizado – e com razão – e pediu vistas, alegando, diplomaticamente, que há humanos sob as togas, que portanto podem errar.
No hiato das vistas de Fux, o procurador-geral, no décimo pedido de Débora, opinou por negar liberdade provisória, mas, em lugar disso, conceder prisão domiciliar. E o relator Alexandre de Moraes, escolhido por Dias Toffoli, concordou, depois de negar nove pedidos. O caso Débora, um dos raros com individualização clara, espalhou-se no mundo, expondo o Supremo brasileiro, com tantos garantistas, abrigando um caso que deveria estar na primeira instância, em pequenas causas, passível talvez de pena com cesta básica, já que o granito de Têmis nem empalideceu ante o vermelho do batom na escrita do “perdeu, mané”, pronunciado por um ministro da suprema corte, o mesmo da frase “nós derrotamos o bolsonarismo”, proclamada em ambiente da UNE.
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Em Portugal me perguntam como o Supremo chegou a esse ponto. O tribunal político, pela Constituição, é o Congresso, quando processa impeachmentde presidentes. A Câmara recebe a denúncia e o Senado julga. É um processo político. No Supremo, não. Lá são julgadas questões constitucionais e pessoas de estado com foro privilegiado. Mas isso mudou seis anos atrás, quando o então presidente do Supremo criou um inquérito sem Ministério Público e indicou relator sem sorteio. A corte se metamorfoseou em tribunal político sem perguntar à Constituição de que é zeladora. O atual presidente, ministro Barroso, já declarou a mudança, e há pouco anunciou que não há como não punir o 8 de Janeiro, para evitar que se repita.
Ora, direis, isso não é fala de juiz. Nem poderia ser. Barroso, como outros, é advogado. A natureza do advogado é defender uma causa, assim como a natureza de um promotor de carreira é acusar, punir. Fux, juiz de Direito de carreira, tem por natureza pesar os dois pratos da balança (a Têmis do Supremo só carrega a espada) e decidir conforme a lei e o espírito de justiça. Abriu caminho para uma compaixão? Fux deve conhecer o Gratia et Iustitia do Direito Romano. Mas é tardia – mais de dois anos no presídio, 14 meses sem denúncia –: os filhos de Débora vão levar para a vida o trauma desses dias e noites sem a mãe. Contra ela pesam já dois votos por 14 anos de prisão; basta mais um, numa turma de menos da metade dos 11 do Supremo. Isso é impossível explicar a um europeu. Num tribunal político, é natural aplicar a Gratia (compaixão) para um lado, e a Iustitia para o outro. É da natureza da política: “aos amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei”.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




