Gota a gota o cálice foi enchendo; agora parece que transbordou. Há quatro anos, o Supremo abriu um inquérito por conta própria, sem Ministério Público, baseado no seu regimento interno que, nessa parte, está superado pela Constituição de 1988. Afora o ministro Marco Aurélio, que ironizou o feito, chamando-o de “inquérito do fim do mundo”, ninguém mais falou. Esperava-se crítica da mídia, da OAB, do Senado, que julga ministros do Supremo; mas ninguém falou. E o Supremo foi adiante. Ou continuou, porque seu presidente já havia sancionado um rasgão no parágrafo único do artigo 52, deixando a presidente condenada sem a pena correspondente.
O veto de Dilma ao comprovante impresso do voto fora derrubado por 368 deputados e 56 senadores, mas a vontade desses 66% do Legislativo foi anulada por oito ministros do Supremo. Até a Constituição se tornou inconstitucional, no marco temporal. A despeito de não ser Poder Legislativo, o Supremo legislou sobre drogas, examina aborto... e a Constituição está atualizada com abundância de Adins e ADPFs.
E o povo cobrando nas redes sociais, da OAB, da mídia, do Senado o silêncio omisso, a alienação ante fatos que saltam aos olhos de quem quer que leia a Constituição Cidadã. O presidente do Senado parece ter encontrado dificuldade em andar por terras mineiras sem ser cobrado. Rodrigo Pacheco e a OAB caíram da cama, sobressaltados pelo pesadelo de que a independência de poderes e o devido processo legal estavam abafados pela toga. Pacheco sentiu que o cálice está transbordando e tocou a emenda que impede um único juiz do Supremo de derrubar a decisão da maioria do Congresso.
A OAB precisou ser sacudida na sua própria carne – ou no seu espírito de corpo, quando viu mais uma vez o regimento interno do STF se sobrepondo à Constituição, no caso da ampla defesa, com sustentação oral em qualquer situação, mesmo agravo. Depois da nota em que a OAB afirma que “continuará insistindo para que o tribunal cumpra as leis e a Constituição”, ainda veio um deboche de Moraes, ao negar defesa oral num agravo: “A OAB vai lançar outra nota contra mim, vai dar mais uns 4 mil tuítes”.
Quatro dias depois, em Belo Horizonte, no Encontro Nacional da Advocacia, o presidente do Supremo teve de ouvir o presidente da OAB/MG num veemente protesto, acompanhado por aplausos, gritos e assobios de advogados de todo o país, numa cena em que todos, em pé, ovacionavam, enquanto o ministro Barroso permanecia sentado e calado.
A PEC que impede decisão monocrática está na Câmara, agora. Mas depois que o decano do Supremo, Gilmar Mendes, reagiu chamando de “pigmeus morais” os 52 senadores que aprovaram a PEC, a inação da Câmara será sinal de repetição da subserviência mostrada na prisão do deputado Daniel Silveira e posterior anulação do indulto concedido por Jair Bolsonaro, com base em poder privativo do presidente conferido pela Constituição. O discurso de Gilmar fala de “tacão autoritário escamoteado pela pseudorrepresentação de maiorias eventuais” e praticamente rompe com o Senado, no país sem poder moderador. O ingrediente que ainda faltava surgiu no domingo, enchendo quatro quarteirões da Avenida Paulista: o povo, origem do poder, cobrando do Supremo a volta à Constituição. Ao cálice transbordante ainda foi acrescentada a indicação de Flávio Dino para o Supremo.
Moraes mandou prender executiva do X após busca pela pessoa errada e presunção de má-fé
Defesa de Constantino vai pedir suspeição de Moraes e fez reclamação ao CNJ contra auxiliares do ministro
O fechamento do X no Brasil e a comemoração no governo Lula; ouça o podcast
Impeachment de Alexandre de Moraes ganha força após novo vazamento de mensagens
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião