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Rodrigo Pacheco e Ricardo Lewandowski durante entrega do anteprojeto para uma nova lei do impeachment no Senado.
Rodrigo Pacheco e Ricardo Lewandowski durante entrega do anteprojeto para uma nova lei do impeachment no Senado.| Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Ao estabelecer os poderes da República, o segundo artigo da Constituição começa pelo Legislativo. Depois vem o Executivo e, por fim, o Judiciário. Escritos assim, com inicial maiúscula, numa ordem que não é a alfabética, mas de importância. Portanto, já mostrando que quem faz e desfaz leis e até muda a própria Constituição, é o Parlamento dos representantes do povo. Depois vem o Poder Executivo, cujo chefe é também eleito, com mais votos que qualquer parlamentar. Por fim, o Judiciário, composto por juízes que não têm voto, mas votam em julgamentos em que interpretam as leis e as aplicam.

No dia de Natal, a editora do Wall St. Journal, Mary O’Grady, alertou para uma inversão dessa ordem constitucional no Brasil. A Suprema Corte estaria emasculando o Legislativo e beneficiou Lula com seu ativismo político. O título, na página de opinião, resume tudo: “A Volta de Lula e a Ameaça Judicial à Democracia no Brasil”.

O devido processo legal deixou de existir quando passou a haver um interminável inquérito sem o promotor da ação, que é o Ministério Público e, pior, em que a suposta vítima é que investiga, julga e pune.

Está totalmente dentro dessa visão do Journal, a proposta de mudar a Lei do Impeachment, entregue neste mês pelo ministro do Supremo Ricardo Lewandowski ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Pelo anteprojeto, ministros do Supremo não podem ser condenados por interpretação da Constituição; pedaladas fiscais não são motivo de impeachment, mas o presidente criticar o Supremo ou o TSE pode ser crime de responsabilidade.

O que vê, segundo o maior jornal americano em tiragem, não tem sido notado por boa parte do noticiário brasileiro em relação às ações inconstitucionais, contra direitos fundamentais, contra cláusulas pétreas. E contra mandatos do poder que está em primeiro lugar na Constituição: invioláveis “por quaisquer palavras”. Triste comparar com dezembro de 1968, quando um discurso em plenário da Câmara, pelo deputado Márcio Moreira Alves, provocou o AI-5.

A partir de 1º de janeiro haverá outro chefe de Poder Executivo; um mês depois, haverá outra legislatura na Câmara e no Senado. A eleição do primeiro turno resultou em 73% de centro-direita na Câmara e 67% no Senado. Como lembrou a editorialista do Journal, o ministro Gilmar Mendes se antecipou a dificuldades futuras do novo governo, garantindo um fura-teto para programas sociais. No dia seguinte, o Supremo alterou até hábitos internos do Legislativo, interferindo nas emendas de relator.

Quando o deputado Daniel Silveira foi preso houve silêncio geral, concordando que o mandato não é absolutamente inviolável, como manda a Constituição. O devido processo legal deixou de existir quando passou a haver um interminável inquérito sem o promotor da ação, que é o Ministério Público e, pior, em que a suposta vítima é que investiga, julga e pune.

Agora já há mais prisões por crime de opinião, de um jornalista e um humorista – que deveriam estar na primeira instância, se fossem denunciados pelo Ministério Público – do que por, digamos, crime de injúria ou calúnia. Espalha-se o medo de ser preso pelo arbítrio ao abrir a boca e expressar o pensamento, a despeito do inciso IV da Constituição, se criticar o Supremo.

Se criticar o presidente, ou jogar futebol com um clone de cabeça presidencial, não haverá problema, pois o comandante supremo das Forças Armadas se mantém dentro das quatro linhas. Mas se alguém criticar um ministro do Supremo, não há a quem recorrer, como teria dito Ruy Barbosa. O Legislativo teria a solução; é o maior poder, mas o medo o apequena.

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