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O ministro Luís Roberto Barroso deixou a presidência do Supremo; terminaram seus dois anos regulamentares. Saiu entrevista dele nas tevês, rádios, jornais – o da capital do país deu duas páginas inteiras. Barroso marcou época pelo ativismo expresso e confesso. O objetivo foi tornar o Supremo não um departamento técnico do Judiciário, mas um tribunal político, como ele próprio declarou. Os jornais noticiam que agora ele vai meditar, num retiro espiritual com o grupo Brahma Kumaris, para decidir seu futuro – se continua no Supremo, onde reconhece que muito se desgastou, mas de nada se arrepende; ou se escolhe algo novo. A mídia lhe dá tratamento de artista, superstar, que presidiu o Supremo, cantou sambas, pronunciou diante da UNE o “nós derrotamos o bolsonarismo” e, num cenário não longe da Broadway, o “perdeu, mané”, que só não ficou literalmente lapidar porque registrado em batom.
Confesso minha estranheza com o protagonismo do Supremo. Como jornalista há quase meio século, acompanhando de perto do Supremo, acho estranho. Não é da natureza do Supremo ser protagonista; ao contrário, é o tribunal discreto, sem entrevistas, que só fala nos autos, sem togas previsíveis, sem sentenças anunciadas. Cobri o Supremo presidido por Djaci Falcão, Thompson Flores, Antônio Neves, Xavier de Albuquerque, Cordeiro Guerra, Moreira Alves, Rafael Mayer, Néri da Silveira, Aldyr Passarinho, Sidney Sanches, Octávio Galloti e os mais recentes, até Joaquim Barbosa, que, creio, foi quem começou a atrair as luzes da TV Justiça, introduzida na gestão de Marco Aurélio Mello, no início do milênio. Depois, os escândalos do mensalão e da Lava Jato tornaram o Supremo um palco, e a pandemia foi o mote para o STF legislar a despeito da Constituição.
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Em 10 de setembro de 2020, Luiz Fux já havia reconhecido, em seu discurso de posse, que o Supremo estava se metendo em ações deletérias, a servir de auxiliar para partidos políticos sem voto, que, sem vencer no plenário, procuravam se impor no “tapetão” do Supremo. No século passado, as queixas de pequenos partidos não eram acolhidas; voltavam ao Congresso com o carimbo de assunto interna corporis do Legislativo. Neste milênio, prevaleceu o princípio constitucional de que nada pode ser recusado pela Justiça, somado ao entendimento de que, se o Legislativo não encara, o Supremo legisla. Esquecem que, quando o Congresso não legisla, é porque o assunto não está maduro; é a vontade dos representantes do povo a omissão, à espera de sentir a vontade da maioria da nação.
O artigo 2.º da Constituição põe o Legislativo em primeiro lugar e o Judiciário em último, porque o Judiciário não tem a representação da origem do poder, pelo voto direto. Hoje a ordem está invertida. Nenhum dos ministros do tribunal foi eleito pelo povo, como o são deputados, senadores e o presidente da República. O Legislativo encolheu-se, capitaneado pelos presidentes das casas, com pendências no Supremo. O presidente da República, que jurou defender a Constituição, silencia sobre os descumprimentos voluntariosos porque deve favor ao tribunal que o descondenou. O povo, origem do poder, em geral nem sabe para que serve a Constituição, ou não sabe que ela serve, em primeiro lugar, para garantir as liberdades, impondo limites ao poder do Estado. O novo presidente do Supremo, ministro Edson Fachin, no seu discurso de posse, falou em cortar gastos – não em cortar poderes que a Constituição não deu. Mas deixou uma promessa: “Assumo não um poder, mas um dever: respeitar a Constituição e apreender limites”.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




