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Dezenas de pessoas pedem o fim da contagem de votos na Pensilvânia, devido à suposta fraude contra o presidente Donald Trump, em 5 de novembro| Foto: Spencer Platt/Getty Images/AFP

Durante os últimos dias, após as projeções dos resultados eleitorais em vários estados americanos chaves apresentarem movimentos bastante inesperados, o Presidente Donald Trump e inúmeros grupos preocupados com a integridade do processo eleitoral nos Estados Unidos passaram a levantar suspeitas de fraude nas eleições americanas.

A defesa jurídica do Presidente afirma já ter provas contundentes. Recentemente, Trey Trainor, membro da Federal Election Comission, uma agência independente dos Estados Unidos afeta à matéria eleitoral, afirmou acreditar que houve fraudes nas votações em alguns lugares e que isso compromete a legitimidade das eleições. Curiosamente, essa forte declaração não tem recebido cobertura por parte da imprensa. O siteEveryLegalVote” tem buscado reunir notícias de fraudes, as ações que já foram tomadas, o impacto na campanha e no resultado eleitoral etc. O âncora do canal Fox News Tucker Carlson também tem divulgado alguns fatos, como votos efetuados em nome de pessoas já falecidas ou não habilitadas para votar (por exemplo, por não serem cidadãs ou morarem em outros estados).

Se houve fraude em dimensões capazes de prejudicar o resultado das eleições, será algo que as Cortes americanas e a história debaterão por algum tempo ainda. A questão inclusive mantém o resultado da eleição em aberto. Ao contrário do que grande parte da mídia tem divulgado, inexiste vitória oficial do candidato do Partido Democrata, visto que o número de Estados em contencioso (recontagem administrativa ou questionamento judicial) resulta numa quantidade de votos suficiente para alterar o resultado das eleições. Assim, ainda que parte da imprensa esteja projetando Joe Biden como provável eleito, a eleição pelo Colégio Eleitoral ocorrerá apenas dia 14 de dezembro. Pela lei americana, até seis dias antes (isto é, até dia 8 daquele mês), é possível questionar os resultados das eleições populares nos Estados.

Mas nosso tema aqui não será a corrida de 2020 especificamente. Faremos um outro texto sobre isso. Gostaríamos de abordar a questão sob um enfoque mais amplo: os indícios de fragilidade do sistema eleitoral americano.

Contudo, antes é importante fazer uma ressalva: grande parte da legislação eleitoral naquele país é de competência dos Estados-membros. Qualquer tema sob competência estadual nos Estados Unidos gera duas complicações: em primeiro lugar, uma enorme dificuldade em levantar dados precisos, pois o exame do grau de segurança que a legislação confere às eleições exige o estudo das leis dos 50 Estados americanos; em segundo lugar, o risco de que conclusões extraídas da realidade de alguns Estados sejam aplicadas ao país todo. Isso é comum na abordagem feita no Brasil acerca dos Estados Unidos: afirmações como “quase não há regulação para armas”, “inexistem leis trabalhistas” ou (como no nosso caso) “a legislação eleitoral é frágil”, aplicam-se em maior ou menor medida a depender das leis de cada estado, não devendo ser tomadas como uniformemente aplicáveis a todo país. Há estados americanos com razoável legislação trabalhista. Há estados que impõem uma considerável regulação sobre armas. Do mesmo modo, há intensa variação na legislação estadual eleitoral.

Dito isso, vamos aos dados. Um levantamento feito pela Heritage Foundation, respeitável entidade conservadora dos Estados Unidos, que tem apresentado vários projetos de reforma para fortalecer a integridade das eleições americanas, levantou alguns dados preocupantes:

1) Dos 50 estados, apenas 34 exigem documento de identificação (ID) para votar. Dentre esses, só metade exige documento com foto. Estados enormes como Califórnia e NY não fazem esse tipo de exigência.

Outro fenômeno que traz preocupação: em vários lugares, grupos próximos ao Partido Democrata de Joe Biden foram contra a inclusão dessas exigências e inclusive promoveram ações judiciais buscando derrubar as leis aprovadas requerendo documento de identificação para o exercício do voto. Não deixa de ser curioso: por que tanto interesse em manter a legislação frágil? É comum alegarem que exigir documentos pode impedir o voto de grupos mais pobres. Mas a alegação parece absurda, visto que no Brasil, um país em que a classe pobre é bem mais pobre do que os pobres americanos, exige-se inclusive biometria, e as classes mais carentes têm papel decisivo no processo eleitoral.

2) Ademais, mesmo nos estados que exigem documentação, muitos deles não o fazem para voto por correio. O voto pelo correio nos Estados Unidos, aliás, parece ser o fator mais preocupante em relação à prática de fraudes. E esse mecanismo foi enormemente ampliado nas eleições de 2020, sob alegação de combater o COVID.

3) Outro ponto relevante: como as eleições são organizadas pelos estados, as listas de eleitores registrados são estaduais. E os estados não possuem uma forma eficiente de cruzamento para evitar duplicidade de votos pelo mesmo eleitor. Em 2005, Kansas e outros Estados instituíram um sistema de exame cruzado das listas de votantes (Interstate Voter Registration Crosscheck Program), exatamente para verificar votos duplos pela mesma pessoa em mais de uma jurisdição. Esse sistema foi suspenso em 2019 por uma ação judicial promovida novamente por grupos próximos ao Partido Democrata.

4) Nos Estados Unidos, há um número muito elevado de eleitores registrados de modo inválido ou incorreto. No julgamento do caso Husted Vs. A. Philip Randolph Institute, a Suprema Corte mencionou um estudo da Pew Research Center que encontrou registros inválidos ou incorretos de cerca de 24 milhões de eleitores (1 a cada 8, na época). Já no contexto das eleições deste ano, o grupo Election Integrity Project California, identificou que apenas no território californiano cerca de 400 mil cédulas eleitorais foram enviadas para eleitores inabilitados segundo a lei, por exemplo, por já não morarem no Estado ou estarem mortos. Segundo pessoas ouvidas sobre o fato, em matéria da CBS Los Angeles: “O medo é que pessoas desonestas votem nessas cédulas e tentem fazer com que sejam contadas”, disse Evelyn Swenson, que trabalha com a organização mencionada. Margaret Richards, também ouvida pela reportagem, alegou que “o fato de essas cédulas estarem sendo enviadas a preocupa e a faz questionar a integridade da eleição”. “'É muito lamentável', disse ela. 'Pense em quantas pessoas se mudaram e a mesma coisa está acontecendo continuamente. Como você vai confiar no sistema?'”

5) A situação que já era muito ruim, foi piorada nas eleições de 2020. Em geral, governos ligados ao Partido Democrata, usando a pandemia, defenderam leis para tornar o sistema ainda mais frágil: registros automáticos (sem pedido do eleitor) a partir de bancos de dados de outros órgãos públicos; registros no próprio dia da eleição, o que impede a conferência dos dados; envio automático de cédulas para todos os eleitores registrados, o que resulta no envio inclusive para esses "eleitores" irregularmente cadastrados como vimos acima. O envio em massa de cédulas também gera maior risco de furto, como foi registrado na Califórnia. O Partido Democrata também defendeu ampla votação pelo correio, o que em si amplia os riscos de fraude.

Hoje é inviável negar a existência de fraudes nas eleições americanas. Um banco de dados organizado pelo Heritage Foundation já reúne centenas de casos no país. A grande questão é: qual foi a extensão das fraudes praticadas em 2020.

Uma última questão a ser esclarecida. Várias pessoas têm levantado o seguinte ponto: o sistema brasileiro é puramente digital e falam de risco de fraude; agora o sistema americano possui cédulas e também suscitam esse problema. Afinal de contas: Querem voto digital ou por cédula?

Na verdade, esse é um falso dilema. Uma coisa é o problema do registro do voto; outra coisa é a segurança quanto à identidade do eleitor e à vedação de multiplicidade de votos pela mesma pessoa.

O problema brasileiro, de fato, decorre de ele ser totalmente virtual, o que impede que o resultado eleitoral seja auditado. Quanto à vulnerabilidade das urnas, o número de matérias e trabalhos a esse respeito é interminável. Salientamos, apenas a título ilustrativo, as constatações dos seguintes pesquisadores:

a) Diego Aranha: conforme notícia constante do site do Senado, o professor da UNICAMP, demonstrou que as urnas são suscetíveis a fraudes no voto e também à quebra do sigilo;

b) Pedro Rezende: segundo reportagem da Gazeta do Povo, o professor de segurança de dados da Universidade de Brasília (UnB), afirma que as urnas são vulneráveis. O especialista foi recebido pelo então Presidente do TSE, Luiz Fux, para discutir mecanismos de incremento da segurança das urnas;

c) Amílcar Brunazo Filho: engenheiro, coordena o Fórum do Voto eletrônico, autoridade em segurança de dados, conclui que nosso modelo de urnas é ultrapassado e inseguro.

Já no caso dos Estados Unidos o problema não é a inviabilidade de auditar o resultado. Pelo contrário, o sistema permite que isso seja feito, e recontagens são até comuns no país. O problema americano concentra-se na ausência de requisitos que assegurem a identidade e habilitação legal do eleitor, especialmente, pela baixa exigência de documentos de identificação e pela admissão do voto pelo correio. Esse problema foi ainda maior neste ano, pelo grande uso dessa sistemática.

Se nos Estados Unidos houvesse biometria em todos os Estados e o voto fosse necessariamente presencial, creio que o sistema seria bastante íntegro. Assim, como também ocorreria no Brasil caso adotássemos o comprovante impresso do voto digital ou algum mecanismo que permitisse que o resultado eleitoral fosse auditado, o que foi lamentavelmente derrubado pelo STF sem razões jurídicas para isso.

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