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Mil dias pelas Américas: Estrada Real
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Fotos: Arquivo pessoal
A picape Fiona em frente à igreja em Mariana, cidade histórica mineira que faz parte do roteiro da Estrada Real.

Por: Ana Biselli e Rodrigo Junqueira

Os 1000dias continuam e ainda estamos em Minas Gerais. Não sei se vocês perceberam, mas estamos seguindo uma estrada histórica, que começou a ser construída há mais de três séculos e hoje é um projeto referência para o turismo auto-sustentável, a Estrada Real.
Há mais de 300 anos, os bandeirantes começaram a abertura de um caminho ligando o litoral ao interior de Minas Gerais. Bandeiras de diversos cantos do país chegaram à região em busca de uma das maiores reservas de ouro e diamante da história, que chegou a produzir em apenas um século 1/3 de todo o ouro encontrado no mundo entre os séculos 17 e 19.

A notícia de tanta riqueza fez com que a Coroa Portuguesa decretasse como legal apenas uma das vias, punindo quem trafegasse por outras estradas e obtendo assim o controle da produção e dos impostos. Esta estrada ligava Paraty (RJ) à Ouro Preto (MG) para o escoamento do ouro retirado na região, conhecido como o Caminho Velho. Alguns anos mais tarde o governo incentivou a abertura da segunda via, entre Ouro Preto e o Rio de Janeiro, assim que conseguiram expulsar a bandidagem da região portuária e este se tornou o Caminho Novo. Em 1729, foi construído finalmente o terceiro caminho, entre Ouro Preto e Diamantina, utilizado para escoar a produção do ciclo do diamante.

Começamos a percorrer este caminho de trás para frente, por Diamantina, ponto mais ao norte da via. De lá para cá passamos por diversas cidades como Diamantina, Milho Verde, Tabuleiro, Serra do Cipó, Lapinha, escapamos um pouquinho para Belo Horizonte e voltamos à legalidade pelo Santuário do Caraça, Ouro Preto e Mariana. Continuamos descendo e pegamos um atalho do Caminho Novo em direção ao Caminho Velho, saindo de Queluzito em direção à lagoa Dourada para chegarmos a Tiradentes. São quase 200 municípios interligados pelo Instituto Estrada Real (www.estradareal.org.br), responsável pelo desenvolvimento e divulgação deste roteiro turístico visando a auto-sustentação desta região através do turismo.


Estrada Real, trecho entre a Serra do Cipó e Belo Horizonte.

Aí vocês perguntam, cidades históricas não cansam? Podemos dizer que se engana quem pensa que a Estrada Real só passa pelas cidades históricas. São diversos circuitos e roteiros que agradam a todos os gostos, dos curiosos historiadores aos mais aventureiros. Fazendo um roteiro bem temperadinho não cansa nem um pouco. Quais são os temperos?

Já contamos aqui sobre os trechos que fizemos na via dos diamantes, entre Diamantina até Belo Horizonte, passando pelo Parque Nacional das Sempre Vivas e a Serra do Cipó. Belo Horizonte foi uma parada estratégica para nós, pois precisávamos fazer a revisão dos 10 mil km da picape Fiona e tomar um banho de cidade grande. Na mesma toada, buscando diversificar as atrações, seguimos para Brumadinho, cidade que sedia o Museu de Arte Contemporânea Inhotim.


Igreja São Francisco de Assis da Pampulha, em Belo Horizonte. Inaugurada em 1943, o templo se notabiliza belas linhas curvas e é considerada um dos marcos do Modernismo. A ousadia da arquitetura irritou as autoridades eclesiásticas da época, que proibiram, por muitos anos, a realização de celebrações naquela igreja.

Voltamos à Estrada Real, chegamos ao Santuário do Caraça. O Santuário foi fundado em 1774 pelo irmão português Lourenço de Nossa Senhora. Quando ele morreu deixou o santuário em seu testamento à Coroa Portuguesa que mais tarde o doou para a Congregação da Missão, responsável hoje pela Reserva Natural do Patrimônio Particular Santuário do Caraça (RPPN). Lá funcionou um colégio e seminário durante 150 anos, um dos melhores do país, formando diversos presidentes de Província e dois rresidentes do Brasil. Em 1968, aconteceu um incêndio no colégio, 90 crianças estavam no prédio, no entanto nenhuma ficou ferida. Desde então o colégio deixou de funcionar, toda a estrutura antiga foi restaurada e hoje é utilizada para receber visitantes e peregrinos.


Santuário da Caraça.

O Caraça possui uma área com mais de 10 mil hectares preservados, onde se encontram cachoeiras, piscinas naturais e diversos picos, dentre eles o mais alto da Serra do Espinhaço, o Pico do Sol com 2072m de altitude. Conhecemos apenas uma das cachoeiras, a Cascatona, a 6 km da sede. É maravilhosa, descrita por D. Pedro II como a mais bonita que conheceu e olha que ele era rodado! Existem relatos do imperador brasileiro em seu diário sobre o Caraça e suas lembranças de quando seu pai, D. Pedro I, lá esteve, já o achando muito antigo. Andou por todas as trilhas, teve aulas em grego, latim, francês, espanhol e discutiu com o professor de Direito Canônico, alegando que muitas vezes havia abuso de autoridade por parte dos eclesiásticos. Além de um patrimônio natural o Caraça também é patrimônio histórico mineiro e nacional!

“Só o Caraça vale toda a viagem a Minas Gerais.”
D. Pedro II.

Continuamos pela Estrada Real e chegamos à Mariana e Ouro Preto. Mariana foi a primeira capital de Minas Gerais e por isso possui uma história muito rica impressa em suas ruas e sua arquitetura. Vale à pena explorar e respirar um pouco esta história, sem pressa. Este todavia, não era o nosso principal objetivo, procuramos por algo mais radical, o mergulho em cavernas!

O Ibama proibiu a prática deste esporte em cavidades naturais sem que haja o plano de manejo da caverna com uma avaliação específica para este fim. Um plano como este tem um custo muito alto e nem o governo e nem os proprietários das terras têm interesse de investir, além de não quererem se comprometer em liberar o espaço para um esporte arriscado como este. Foi assim que uma mina de ouro, com mais de 300km de túneis escavados se tornou um dos mais interessantes pontos de mergulho em caverna no Brasil.


Ana e Rodrigo prontos para mergulhar na Mina de Passagem, em Mariana.

A Mina da Passagem em Mariana foi desativada no início do século passado, depois de décadas de exploração a mineradora responsável parou de drenar a água encontrada nos veios cavados, deixando que ela inundasse. O lago da mina possui água mineral transparente, com uma temperatura constante de 21°C, perfeita para o mergulho! O responsável por esta ideia e pela infra-estrutura montada na mina para os mergulhadores foi Romeu Dib, um dos mais experientes instrutores e exploradores de cavernas submersas do país.

Esta operação de mergulho é um tanto quanto curiosa. Ao invés de irmos à praia vamos para Minas Gerais, que nem mar possui. Ao invés de entrarmos em um barco, pegamos um carrinho de mineração. Equipados, entramos no lago e logo na entrada do túnel principal encontramos uma placa colocada pelo Dib alertando dos perigos de mergulhadores não treinados passarem daquele ponto. Muitos mergulhadores experientes sem treinamento específico para caverna já morreram achando que sabiam o que estavam fazendo. Mergulhar na mina é muito diferente, não avistamos nenhuma espécie de peixe ou coral. Vemos apenas túneis, espelhos d´água formados pelas bolhas de ar que expiramos e as ruínas inundadas da mina. Trilhos, dormentes, escorregadores e alguns utensílios utilizados para mineração. Durante o mergulho imaginamos os mineiros trabalhando, o ouro sendo encontrado e extraído. Um mergulho na história!

Ouro Preto é a próxima cidade, um dia de muita caminhada pelas ladeiras, viajando no tempo em que Vila Rica era uma das cidades mais ricas do mundo. A corrida pelo ouro, sem a estrutura necessária para alimentar todos os bandeirantes e escravos que migraram para a região, fez com que pessoas morressem de fome com os bolsos cheios de ouro. O Museu da Inconfidência conta toda esta história, expondo os utensílios, móveis, obras de arte, altares barrocos e inclusive os rejeitos dos inconfidentes mortos na época.


Ouro Preto, com suas igrejas, morros e muitas ladeiras.

Entrando no Caminho Velho, nos despedimos de Minas Gerais em Tiradentes, cidade escolhida por artistas, poetas e pessoas que buscavam uma alternativa aos grandes centros. Esta semana aconteceu o famoso Festival Gastronômico, onde chefs – renomados nacional e internacionalmente – vêm à cidade demonstrar suas iguarias. Tiradentes possui este nome em homenagem ao mártir da Inconfidência, embora sua única ligação com o herói seja uma fazenda próxima onde ele teria nascido.
Estamos chegando ao fim do nosso roteiro pela Estrada Real, esta semana rumamos à Paraty (RJ), encerrando em grande estilo no Caminho Antigo, já que somos mais tradicionais. Termino este diário parafraseando um novo amigo que fizemos na estrada “É, essas Minas são Gerais!”

Próxima Semana:
Rumo à Paraty, finalizamos o percurso da Estrada Real e seguimos para um evento especial na terra de origem.

Acompanhe a viagem de Ana Biselli e Rodrigo Junqueira todas as quintas-feiras em nosso blog. Também acesse o site dos aventureiros: www.mildias.com.

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