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A geração do vazio estético: entrevista com Kiko Dinucci
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Algumas horas antes da primeira apresentação de Cambaio de Milonga com o grupo Serenô, na sexta-feira (8), no Teatro do Paiol, o músico Kiko Dinucci participou de um bate-papo – que acabou sendo quase uma palestra – no Conservatório de Música Popular Brasileira de Curitiba. O artista falou sobre a música popular de São Paulo a partir dos primeiros ritmos que dariam origem a um “samba rural”, diferente do samba carioca e baiano, passando pela influência italiana e pelos mestres Adoniran Barbosa, Geraldo Filme e Paulo Vanzolini. Continuou com a metamorfose do rock dos Beatles feita “acidentalmente” pelos Mutantes e com a tropicália no pós-bossa nova. E chegou à chamada vanguarda paulista dos anos 1980 e seus nomes como Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção.

Na pesquisa de Dinucci sobre as origens de sua própria linguagem está uma busca por identificação. As gerações passadas e a comentada geracão de hoje se encontram em “acidentes” como a transfiguração do samba carioca por Barbosa e na intimidade com o “faça você mesmo” da vanguarda paulista. Os “produtos” da cena paulistana atual, que inclui, além do próprio Dinucci, nomes como Rômulo Fróes, Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci, Karina Buhr e Rodrigo Campos, têm pouco alcance comercial, não se adequam ao mercado tradicional, prensam seus próprios discos e procuram seus próprios meios de divulgação. “É uma música que sai com defeito de mercado, que é assumido e vira uma coisa nova”, diz o músico.

Entre a correria do bate-papo no Conservatório e o show no Paiol, Dinucci – que se apresenta o segundo show com o Serenô neste sábado (9), às 21 horas – falou um pouco mais sobre a geração atual da música paulistana à Gazeta do Povo. Confira a entrevista:

Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Como toda essa pesquisa sobre a música de São Paulo aparece nas suas músicas?
Eu não trabalho nada disso de forma consciente, pensando em botar as referências da música paulistana. É natural. As pessoas mesmo falam: isso parece Itamar [Assumpção], parece Adoniran [Barbosa], é muito paulista, a cara de São Paulo. Eu persigo isso inconscientemente, mas não é nada programado. Mas me sinto um pouco extraterrestre. Pouca gente está preocupada com isso na minha geração.

As diferenças são uma das marcas dessa geração. Não ter algum tipo de unidade é um problema?
Não é um problema. Minha geração não tem uma coisa melódica muito forte, ao mesmo tempo que persegue uma coisa pop. Talvez a gente não tenha tanta bagagem para fazer melodias marcantes como as que o Erasmo Carlos fez, sabe? Minha geração ainda está um pouco vazia quanto a isso. As músicas não são tão fortes. Tem uma coisa de produção que é muito legal, mas a canção em si, nua, não aparece muito. Mas eu noto que é mais essa questão do mercado que vai ser definitiva para definir essa geração.

É esta a principal marca de vocês?
A característica ainda não é musical, antes de tudo. É mais de comportamento. Acho que essa geração vai ser conhecida como a que apareceu mediante uma outra mídia. Talvez vá ser conhecida assim. Que, de repente, entrou na Folha Ilustrada sem ser por outro meios que não a internet.

Mas há certa expectativa sobre a cena paulistana estar produzindo o que há de mais consistente na música brasileira hoje.
É muito louco. Ao mesmo tempo que é dado esse rótulo de “nova MPB”, a gente não está seguindo a mesma tradição que eles. A gente tem muito mais defeitos e é mais perdido mesmo. Tem essa coisa do vazio na nossa geração que o Rogério Skylab apontou. É o vazio da cultura contemporânea, que não tinha na geração da MPB dos festivais – super engajada, querendo transformar o mundo, com romantismo, com brilho no olhar. A gente tem esse vazio. A geração seguinte está vindo mais vazia ainda.

Você acha que é exagero falar em termos como “nova MPB”?
Está cedo. O grande perigo é dar muita atenção a um negócio que ainda está embrionário. São coisas individuais, muito isoladas, e que podem dar em lugar nenhum. Fico pensando em um cara de Cuiabá, vendo essas matérias dizendo “nova MPB”, e vê que é só uma galerinha de São Paulo. Eu iria falar que tem alguma coisa errada nisso. Essa repercussão que estamos tendo era para o Itamar Assumpção e para o Arrigo Barnabé terem tido. Se esses caras tivessem tido a repercussão que a gente tem o Itamar seria um Gilberto Gil hoje. Eles não tiveram essa chance. Ao mesmo tempo, não temos um trabalho tão consistente quanto eles tinham para mostrar.

E se não der em nada?
A marca da nossa geração vai ser ter apontado novos caminhos de mercado. Já que estamos em um território de vazio estético, alguma outra transformação vai ter que ser feita. A geração de ouro da MPB também está desgastada, sem rumo, não sabe o que fazer. O Chico Buarque não faz mais outra “Roda Vida”. Não tem pra onder correr: o vazio pegou todo mundo.

Serviço
O show Cambaio de Milonga acontece neste sábado (9), às 21h, no Teatro Paiol (Praça Guido Viaro, s/nº). Os ingressos custam R$ 15 e R$ 7,50 (meia-entrada).

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