• Carregando...
No musical de Tim Maia, vale tudo para divertir
| Foto:

Muita gente ainda torce o nariz quando o assunto é musical. Pois Vale Tudo, baseado na biografia de Tim Maia escrita por Nelson Motta, tem o duplo mérito de homenagear uma figura importantíssima da música popular do país e fortalecer, no Brasil, um gênero considerado “menor” do teatro. Além disso, cumpre bem sua proposta essencial: entreter. E o faz sem recorrer a “tropicalização” de um show da Broadway, estratégia tão em voga, mas cujos resultados nem sempre são satisfatórios (algumas peças simplesmente se transformam numa versão repaginada – e musicada – do velho programa humorístico Sai de Baixo).

O público que saiu do Teatro Guaíra no último domingo (25), após a segunda apresentação do espetáculo em Curitiba, era prova de como Vale Tudo agrada. Todos pareciam ter gostado muito do que acabavam de assistir – e também pareciam loucos para comprar (ou baixar) uma coletânea do cantor carioca.

Não resta dúvida: Tiago Abravanel, o neto de Silvio Santos que interpreta o protagonista, merece os elogios que vem recebendo. Tem carisma, canta, dança e imita o biografado muito bem. Seus colegas de palco, principalmente a atriz que faz Janete, primeira paixão de Tim, contracenam à altura. O repertório recheado de sucessos e pérolas como “Primavera”, “Azul da Cor do Mar”, “Não Vou Ficar” e “Imunização Racional (Que Beleza)”; os personagens secundários famosos como Erasmo e Roberto Carlos, Jorge Ben e Elis Regina (além do próprio Nelson Motta); e a própria trajetória de Tim Maia — decadente, mas repleta de ótimas anedotas –, são fatores que, de cara, garantem a boa vontade da plateia.

Caio Gallucci/Divulgação

As três horas do musical não deixam de fora nenhuma passagem importante da biografia. Isso, no entanto, não é um elogio. Ao adaptar o livro para o palco, Nelson Motta recorreu à técnica menos criativa possível: colocou os personagens para narrar acontecimentos entre um número musical e outro. E dá-lhe falas burocráticas como: “Em 1956, Juscelino Kubitschek governava o Brasil…”, “Em 1959, Tim foi para os Estados Unidos…”, “Em 1965, a Jovem Guarda…”. “Em 1970, Tim teve seu primeiro sucesso…” Incluir o peso de Tim Maia (curiosidade que também já estava lá no livro) na tal cronologia não torna a enumeração de fatos menos chata.

No segundo ato, as coisas melhoram, uma vez que as canções passam a integrar a narrativa, e não servem apenas para preencher os espaços em branco do roteiro.

Agora, o que incomoda mesmo são as “liberdades poéticas”. Exemplo 1: Quando Tim chega para morar em Nova York, pega um táxi com um motorista jamaicano. E de que forma esse jamaicano é retratado? Com o mais do que batido estereótipo do maconheiro cheio de dreadlocks na cabeça e ouvinte de reggae. Isso no fim dos anos 1950! O clichê já seria ruim por si só, mas o problema é maior. Em 1959 o reggae ainda estava longe de surgir até mesmo na Jamaica (e só seria popular fora da ilha lá pelo começo dos anos 1970). A piada – o fato de Tim não falar uma palavra em inglês – não ficaria menos engraçada se essa bobeira fosse deixada de lado.

Exemplo 2: Para ilustrar o encanto de Tim Maia pelo R&B na terra do Tio Sam, coloca-se o personagem para dançar ao som de “I Heard It Through the Grapevine”, de Marvin Gaye. Sem dúvida, a música deve ter chamado a atenção de Tim, mas muito tempo depois, afinal ela só seria lançada em 1968.

Exemplo 3: Tim volta pro Brasil em 1964 exibindo uma “cabeleira black power”. O brasileiro teria sido tão pioneiro ao ponto de ter antecipado o movimento “Black is Beautiful”, que tornaria o penteado popular entre os negros americanos uns três anos mais tarde? Acho que não.

Essas inconsistências não existiam no livro. Por que foram inseridas no espetáculo? Soam como tentativa de agradar ao maior número de pessoas com as referências óbvias, mesmo que equivocadas. Não eram necessárias. O show, que já é bom, ficaria melhor.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]