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O punk está de luto
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Redson, líder do cólera, faleceu na noite de ontem aos 49 anos.

Conheci o punk brasileiro aos 13 anos, quando comprei o disco Botas, Fuzis, Capacetes, da banda paulista Olho Seco. Melhor: das mãos do próprio vocalista Fábio Sampaio, dono da Decontrol Discos, um simpático estabelecimento da Galeria do Rock, a meca dos roqueiros em épocas pré-napster.

Ali, descobri que a voz de quem não tem voz não se resume a cantar sobre bundas, bailes funk e viver tranquilamente na favela com a consciência de que o pobre tem seu lugar. Era uma voz inconformada, que cantava os horrores da guerra — mesmo que fosse uma guerra distante(a capa do disco reproduzia o memorial feito para as vítimas da guerra do Vietnã)– mas também se queixava do descaso das autoridades com os moradores de rua (“Não se pode mais andar pelas ruas da cidade/eu vivo esbarrando nesses panos na calçada/ e você, o que está fazendo sentado atrás dessa mesa? Nada!”). Era uma revolta, mas uma revolta humanitária, de quem tem ódio mas não quer ter, que só deseja viver em um mundo melhor, livre dos grilhões do capitalismo e do dinheiro.

Nesse disco, lançado em 1983, o guitarrista era nada menos que Edson Pozzi, o Redson, fundador da banda Cólera. O mesmo Redson que maltratava sua guitarra em acordes toscos e raivosos e que me apresentou o rock nacional nu e cru é o Redson que morreu na noite de ontem, aos 49 anos, de causas ainda não divulgadas. Digo o mesmo porque, se para muitos (inclusive para mim) o punk foi uma fase que depois passa — sem nunca ir embora, na verdade — para Redson, o punk era sua vida. Junto com outros ícones como Clemente, Fábio, Val e João Gordo, Redson foi o responsável por moldar o punk nacional como ele é hoje. E, enquanto a cena punk de Brasília diluiu-se no Pop, com Capital Inicial e Plebe Rude, o punk paulista manteve-se sólido graças a esses caras. Uma interferência londrina aqui, uma dose californiana lá, mas vê-se que a essência ainda é a mesma. A geração que sucedeu a de Redson, composta por Blind Pigs e Gritando HC, entre outros, é visivelmente inspirada no resultado da coletânea Grito Suburbano, que reuniu, em 1982 os pais do punk: Olho Seco, Cólera e Inocentes.

Redson nunca chegou a tocar no horário nobre da televisão, mas nem por isso deixou de fazer sucesso. Com o Cólera, conseguiu a proeza de ser a primeira banda independente brasileira a fazer uma turnê na Europa, em 1987. Tudo no boca-a-boca, no sistema de comunicação alternativo desenvolvido entre a comunidade punk numa época sem blogs e redes sociais. O feito abriu caminho para muitas outras bandas independentes, como Ação Direta, que gravou seu disco Risoto Bombs ao vivo na Eslovênia, e os cariocas do Jason, que, em 2001, passaram por treze países e deixaram muitos Splits (discos gravados em conjunto com outra banda) por lá.

Foi esse mesmo sistema informal de comunicação que anunciou sua morte. O baixista Val publicou em seu perfil do Orkut: “Lamento informar a todos os nossos amigos, fãs e família que o nosso principal membro da banda Cólera, ‘Redson’, faleceu hoje, deixando um legado incalculável em nossas vidas”.

Redson ainda tocava com o Cólera, 32 anos após o surgimento da banda, em 1979. E teria continuado, mesmo que os médicos dissessem que nunca mais poderia tocar. Como cantava em “Eu Não Sou Você”: “Eu não sou você/ Eu não sou você/ Você nasceu para mandar/ Eu nasci para desobedecer”

Para lembrar, um vídeo de Redson tocando em Curitiba:

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