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partido Novo
Na década de 10, aparecem os movimentos políticos, tendo sido o Novo o pioneiro na busca por representação partidária| Foto: Divulgação

No último texto, mapeei as principais correntes visíveis da direita nos âmbitos intelectual e político. Na década de 00, a direita se restringia ao âmbito intelectual; na década de 10, aparecem os movimentos políticos, tendo sido o Novo o pioneiro na busca por representação partidária. Creio que o movimento caçula, o Livres, surgido em pleno impeachment, tenha sido o que melhor soube receber os egressos da esquerda em frangalhos.

Podemos dizer que a base do Novo tinha vocação para formar um partido de massas, já que atraía desde os patinhos feios que iam com cartaz pró intervenção militar até o filantropo chique do Itaú. Mas a cúpula do Novo desde cedo tomou cuidados para que o Novo não chegasse nunca a ser isso, criando inclusive um processo seletivo que impede a filiação de membros que não gozam da pureza ideológica necessária. Ainda assim, o Novo, em seu primeiro pleito, elegeu governador em Minas Gerais.

O Livres, por outro lado, tinha vocação para formar um partido legislativo, já que suas pautas “de costumes” apelavam para aquele eleitor do PSOL que é de classe média ou alta e está preocupadíssimo não com segurança pública, nem com hospital, mas com casamento gay e legalização da maconha. É legítimo, é do jogo, mas não ganha eleição para cargos majoritários. (O que não é legítimo e não é do jogo é pular o Parlamento e jogar tudo no colo do Supremo, como faz o PSOL.)

Tipos de olavetes

Quanto aos olavetes, é uma confusão dos diabos, com mil cismas, rachas e barracos online. Assim, é mais fácil falar de três tipos de indivíduos que passaram por Olavo de Carvalho:

1) O olavete leal porém emancipado, que não vai jogar Olavo na fogueira em público, que vai defender a sua participação positiva no cenário político-cultural brasileiro e não vai comprar briga com ninguém por causa de Pepsi com feto. Existe diversidade intelectual entre eles.

2) O pinscher, que acha que Olavo é uma criatura divina e infalível, e ele, sendo 100% aderente a qualquer coisa que Olavo diga (Pepsi com feto incluso), é divino e infalível por tabela. Junta-se em grupos virtuais para notificar quando alguém está falando mal do Mestre e lotar os comentários com faniquitos. Não existe diversidade intelectual entre eles. O que querem é garantir a hegemonia cultural na base da gritaria, e daí se seguiria a hegemonia política.

3) O ex-olavete, que na verdade é um olavete ao avesso. Ele rompeu com Olavo e passou a cantar com Maria Bethânia: “Dei pra maldizer o nosso lar/ Pra sujar teu nome, te humilhar/ E me vingar a qualquer preço/ Te adorando pelo avesso/ Pra mostrar que inda sou tua”. Tenta convencer o mundo de que Olavo é Satanás e que ele próprio é um conhecedor dos sortilégios do demônio, uma voz da experiência. Existe diversidade intelectual entre eles. Mas não como indivíduos que trocam ideias, e sim na formação de novas seitas sequiosas por hegemonia, voltadas à destruição do olavismo.

A junção intergeracional da direita

Como já mencionei ao tratar do Orvil, o olavismo é um fenômeno jovem. Por outro lado, Bolsonaro era um representante da direita velha; mais precisamente, dos militares da Repressão. Os militares da Repressão não liam Olavo de Carvalho, os olavetes via de regra não sabem o que é Orvil, nem quem era Lício Maciel. O nome mais famoso da Repressão é Brilhante Ustra. Quem reabilitou a Repressão não foi Olavo de Carvalho; foi Bolsonaro, que mencionou Ustra em seu voto pelo impeachment e andou pra cima e pra baixo com o livro 'A Verdade Sufocada' durante a campanha eleitoral. A direita de Bolsonaro é da Repressão, que é Velha Direita; a direita de Olavo de Carvalho é Nova Direita, crítica do militares, independente deles e focada no universo da cultura.

Creio que ambos os grupos poderiam ficar sem se misturar muito, se não fosse a família Bolsonaro. Jair tem filhos políticos olavetes e, ao menos em 2014, eu não chamaria nenhum deles de olavete emancipado.

Menciono 2014 porque foi o ano em que Bolsonaro se reuniu com os filhos e decidiu que seria candidato à presidência. Com pouco dinheiro e tempo de TV, a campanha foi praticamente toda digital. Jair apontou Carlos como seu marqueteiro e estrategista. Enquanto o petismo precisou saquear a Petrobrás pra pagar medalhões do marketing televisivo e fracassou, um pai de família se valia do seu filho olavete para ingressar na política digital.

E, ainda que nunca tivesse ido além do legislativo, tratava-se de um político pé no chão, que conhecia os anseios da população, tais como segurança pública e combate à agenda LGBT nas escolas. Pautas conservadoras com apelo para uma base ampla e expertise digital olavete foram a junção de fome com a vontade de comer, o furacão nunca visto e totalmente imprevisto pelas elites.

O ayanismo

Ao mesmo tempo em que o olavismo se fundia com um conservadorismo popular e buscava representação política na pessoa de Jair Bolsonaro, um cisma ocorria. Aqui, temos de acorrer a fontes olavetes, já que não tenho memória do que não presenciei e essas coisas não vinham a público.

Segundo Fábio Gonçalves, do jornal olavete Brasil Sem Medo, “em 2015 a camaradagem direitista, inicialmente reunida em torno de um antipetismo difuso e superficial, se bifurcou e deu origem a outras duas facções — agora mais bem definidas e, em última análise, antagônicas: os conservadores e os liberais-progressistas. É possível retraçar a origem desses dois grupos na pendenga facebookiana do professor Olavo com o Ayan.”

Concordo com ele quanto à bifurcação; mas não creio que Ayan dê conta de explicar a conduta do Novo ou do Livres, isto é, dos progressistas que brotaram na direita não-olavete. Mas sigamos. Sem meias palavras, digamos que existiu esse Luciano Ayan no meio olavete, e que ele próprio era um olavete. Amigos meus o conheceram no Orkut (isto é, nos anos 00) como um olavete criacionista que ficava os xingando e era estranhamente obcecado por pedófilos. Hoje é um ex-olavete e discretíssimo líder de seita.

Continuemos com o relato: “como sói a todo movimento de massa — sobretudo a um movimento espontâneo como aquele —, cabia a um líder carismático direcionar o populacho à ação que, bem pesadas as forças em disputa e os meios disponíveis, gerasse o resultado mais benéfico de acordo com as demandas mais expressivas dos revoltosos. Neste cenário, surgiram duas linhas que, como disse, marcam o nascimento de duas facções inimigas:

“1. O professor Olavo de Carvalho, intelectual que fez soçobrar a hegemonia esquerdista no debate público e, por corolário, abriu espaço para opinadores e pretensos políticos de direita, acreditava que deveria sair do meio da massa o líder que encabeçasse uma verdadeira revolução contra a classe política historicamente bandida. […] A aposta do professor era no estabelecimento de uma democracia direta provisória por meio da qual se fizesse uma refundação da república segundo as demandas legítimas dos titulares do poder.

“2. O Movimento Brasil Livre (MBL), grupo de viés liberal encabeçado pelos jovens Kim Kataguiri e Renan Santos, entendia que o esforço da massa popular deveria ser concentrado em um processo mais moderado e pragmático: o impeachment de Dilma. Quer dizer, a solução liberal era de tipo burocrático-conciliatória. […]”

Trocando em miúdos, Olavo acreditou numa Revolução nos moldes tradicionais e é um legítimo antissistema, enquanto que o MBL era adepto da Realpolitik. Houve um racha interno à direita olavista entre 2015 e 2016, ficando Ayan responsável por defender a estratégia do MBL nos barracos cibernéticos com Olavo.

Ainda assim, Ayan não se filiou ao movimento. Na verdade, Ayan nem é o nome verdadeiro dele. Até a PF entrar em cena, a identidade de Ayan era um mistério. Ao contrário de Olavo, Ayan prefere ficar escondido atrás do palco.

Mas a parte da PF fica para a próxima. Por ora, notemos que quem estava de fora do nicho olavete não enxergou um racha, nem o surgimento de um novo guru.

Os movimentos em busca de partido nas eleições

Os olavetes embarcaram na candidatura de Bolsonaro como líder ungido pelas manifestações de rua. A imagem de Olavo passou a constar em memes bolsonaristas eleitorais, tornando-o conhecido de gente que não estava nem aí para discussões intelectuais. Olavo apoiou a candidatura, embora fosse antissistema. Os ayanistas embarcaram na campanha de Bolsonaro misturados com os olavetes.

Assim como o Livres, Bolsonaro precisava de um partido pronto para se candidatar. O Livres se definia como “liberal por inteiro” em oposição a Bolsonaro, que, com Guedes, seria liberal apenas na economia. Bolsonaro terminou por bater no mesmo balcão que o Livres, que disse “ou eu, ou Bolsonaro”. Bivar escolheu Bolsonaro e o pessoal do Livres saiu de mala e cuia na mão às vésperas das eleições. Parte foi para o Novo, que, a seu turno, já tentava expurgar os bolsonaristas e emplacar a candidatura de João Amoedo. Por outro lado, os bolsonaristas expurgados do Novo ganharam um destino certo no PSL.

Vê-se que há algo muito errado com o sistema partidário no Brasil, em que grupos reais precisam alugar uma sigla amorfa preexistente que obrigatoriamente recebem dinheiro público, porque não têm liberdade para criar um partido a tempo de disputar eleições. Esse problema já era visível desde 2014, com o drama de Marina Silva. (Ela só se tornou candidata, pelo PSB, porque Campos morreu durante a campanha. A Rede não ficou pronta a tempo.)

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