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Avenida Brigadeiro Faria Lima, um dos principais centros comerciais e financeiros de São Paulo, se tornou símbolo de pautas ESG
Avenida Brigadeiro Faria Lima, um dos principais centros comerciais e financeiros de São Paulo, se tornou símbolo de pautas ESG| Foto: Bigstock

Voltemos aos governadores de São Paulo, e desta vez partamos logo para a Nova República, que há de interessar mais aos leitores de colunas. A cronologia completa sairá num ebook neste jornal após ser revisada e rearranjada.

O que motivou esta série é a excepcionalidade de Tarcísio de Freitas. Pela primeira vez na História, São Paulo está para eleger um indicado de Brasília. Outros estados já elegeram indicados de Brasília antes. A Bahia, por exemplo, elegeu no primeiro turno um petista inexpressivo na política local após Lula se consolidar no poder. A Bahia, bem como outros estados do Nordeste, é governista. Aonde o Brasil vai, os estados governistas vão atrás – com maior ou menor atraso. Já a tradição de São Paulo é diferente. O estado não só não se submete ao governo federal, como seus governadores se enxergam como postulantes à presidência da República, seja como oposição ou situação. Non ducor, duco, é o lema da sua capital.

No entanto, nesta eleição São Paulo repetiu um padrão: a capital votou contra o estado. O estado de São Paulo quer Bolsonaro e Tarcísio; a cidade de São Paulo quer Lula e Haddad – mesmo tendo dado uma votação irrisória a Haddad em sua tentativa de reeleição à prefeitura. Esse padrão não lhe é peculiar. Quando a Bahia era carlista (i. e., partidária de ACM), Salvador era oposição. Quando a Bahia virou petista, Salvador virou carlista. No entanto, as semelhanças não podem ser levadas muito longe nesse quesito. Afinal, o atual embate entre o interior e a capital baianos expressa uma briga entre as forças baianas autônomas e as que se põem a serviço de uma cúpula nacional. Acima de ACM não há ninguém; acima dos petistas baianos está Lula. E mais: essas forças externas nunca conseguiram fazer um prefeito na capital; Salvador nunca teve prefeito petista, sempre mandaram lá as elites locais.

Em São Paulo, dá-se o oposto. As forças em oposição, PT e PSDB, são ambas gestadas em São Paulo -- mais precisamente, na Universidade de São Paulo. Ambas as forças se provaram capazes de chegar à presidência da República. Mas, ainda assim, o estado se manteve uma fortaleza inexpugnável do antipetismo. Temos o caso curioso em que um partido da capital conseguiu ascender à presidência, e, ainda assim, não conseguiu o governo do estado.

A república do café sem leite

Em 2018, o Brasil elege para a presidência uma figura periférica, um parlamentar do baixo clero eleito sucessivas vezes pelo Rio de Janeiro. Na história da República, os presidentes eleitos costumavam ser patrocinados ou pela elite política de São Paulo, ou pela de Minas Gerais. As exceções foram Vargas (ex-ditador), Dutra (indicado por Vargas) e Fernando Collor (alagoano). Na Nova República, Minas Gerais só elegeu um presidente: Tancredo Neves, que morreu antes de assumir. O ineditismo de Tarcísio veio logo após essa ruptura no âmbito federal. O Rio de Janeiro nunca elegeu presidente na história da República. (Até bateu na trave, com Nilo Peçanha.)

É notório que a República Velha costumava revezar entre São Paulo e Minas. Isso era visível a olho nu porque as elites políticas eram todas rurais, bem localizadas em seus devidos estados e bem francas quanto aos interesses no governo. Com a urbanização, a ideologia começa a entrar em cena para persuadir o cidadão comum. No entanto, isso não faz desaparecerem elites regionais – ao contrário, multiplica-as, na medida em que faz surgir novos poderes econômicos. Assim, a análise política no Brasil urbano vem atentando demais à ideologia e esquecendo a dimensão regional da política. Tanto é que as demais fases da República que tiveram eleições diretas para presidente mantiveram o esquema café com leite até ficar só no café, e ainda assim tudo se passa, na análise política, como se se tratasse somente, ou sobretudo, de disputa ideológica.

Os governadores da Nova República

Durante a Nova República, São Paulo elegeu seis governadores: Quércia (86), Fleury (90), Covas (94 e 98, primeiro tucano eleito), Alckmin (2002, 2010 e 2014), Serra (2006) e Doria (2018). Curiosamente, aí não está nenhum nome de presidente. Ainda assim, quase todas as eleições da Nova República tiveram algum desses nomes entre os candidatos presidenciais: 89, Covas pelo PSDB; 94, Quércia pelo PMDB; 2002, Serra pelo PSDB; 2006, Alckmin; 2010, Serra; 2018, Alckmin. Da lista de governadores, vale mencionar que Doria chegou a largar o cargo de governador para concorrer à presidência. E quanto aos anos faltantes, são só 98 e 2014. Em 2014, o PSDB pela primeira vez deixou um candidato mineiro concorrer (Aécio Neves, neto de Tancredo Neves). Já 98 foi um ano bastante atípico, pois foi o primeiro em que valia a emenda de reeleição proposta por FHC.

O próprio FHC tem um perfil atípico entre os presidentes paulistas. Ele é o primeiro presidente de São Paulo da História a se eleger presidente do Brasil sem ter sido governador de São Paulo antes. Era um professor universitário sem qualquer experiência eleitoral que ocupara, meio no improviso, o Ministério da Economia no governo Itamar (mineiro vice de Collor). O estabelecimento de FHC na presidência coincidiu com a eleição de Covas por dois mandatos no estado.

Depois de FHC veio o PT, mas o estado permaneceu tucano e tentou, sem sucesso, levar seus governadores à presidência. Por outro lado, a capital de São Paulo se mostrava seletiva perante o PSDB: desde a redemocratização, ela só aceitou os tucanos Serra (2004), Dória (2006) e Bruno Covas (2020). Por outro lado, o candidato Geraldo Alckmin foi rejeitado pela capital duas vezes (2000 e 2008), já depois de ter sido governador. Talvez tenhamos um padrão aqui: Alckmin fez carreira política em Pindamonhangaba, ao passo que todos os demais tinham sua vida na capital. Se a capital rejeita os interioranos, o estado, por outro lado, rejeita os políticos sem lastro no interior – que é o caso do PT.

Interior versus capital – precedentes

Olhando para a República Velha, vemos que, para ter peso na democracia, um estado precisa ter uma quantidade de eleitores grande e ser politicamente coeso. O Rio Grande do Sul passou a ser importante quando Getúlio Vargas unificou os gaúchos, que até então viviam entre guerras civis. Enquanto isso, São Paulo se dividia entre interior e capital, com a capital querendo sair do Café com Leite e o interior querendo mantê-lo. Nessa hora, quem veio em socorro do estado de São Paulo foi a Bahia, um colégio grande e com votos fáceis de serem vendidos pelo coronel local. O paulista interiorano Júlio Prestes concorreu à presidência contra Getúlio Vargas tendo, como vice, o ex-governador baiano Vital Soares. A Bahia continua na mesma até hoje: é força de manutenção do status quo. Já o vice de Getúlio era o paraibano João Pessoa, sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa, e se ocupava então de perseguir o sertão, com impostos interestaduais abusivos, a fim de fortalecer o porto no litoral. Lá o comércio sertanejo, que atravessava os estados por via terrestre, deveria ser desviado para o porto. Assim era a briga interior versus capital.

No campo econômico, Getúlio Vargas pacificara o Rio Grande do Sul sacrificando os banqueiros. Os estancieiros queriam crédito barato; os banqueiros queriam crédito alto. Bancos públicos agradam os estancieiros e desagradam banqueiros. Com o Plano de Valorização do Café, o São Paulo da República Velha fazia do café em espécie um artigo de especulação financeira. Assim, não havia conflito de interesses entre banqueiros e cafeicultores: o café era estocado a fim de criar altas, manipulando o mercado. Acaba a política, é natural que venha a crise dentro do estado: banqueiros de um lado, ruralistas de outro.

Briga hoje é Faria Lima versus agro

Olhando para trás, é razoável vermos a República Nova como a nacionalização de uma briga doméstica de São Paulo, na qual a capital vinha ganhando até agora. Os paulistanos não têm quórum em casa? Vão então ao Nordeste e fincam bem os pés no seu estado mais populoso, a Bahia. Uma das primeiras medidas de Lula é “libertar” o Brasil do FMI… Como? Pegando empréstimos a juros altos em bancos privados para quitar a dívida de juros baixos (4% ao ano) do FMI. Por isso Lula é amado por banqueiros e pela Faria Lima.

O rival natural dos banqueiros privados é o BNDES, criado para dar juros baixos e fomentar a economia nacional. Boa parte do risco que o BNDES oferecia foi neutralizado ao se desviar os empréstimos do banco para países caloteiros, que não conseguiriam empréstimo em lugar nenhum. Indiretamente, isso deu uma porção de dinheiro para parte da elite baiana, que viu seu mercado de obras públicas se expandir para a África e os vizinhos hispânicos. ACM só oferecia a Bahia; os políticos de São Paulo ofereciam continentes.

Nesta eleição, Lula adere à agenda ESG da Faria Lima. Essa agenda quer regular o pum da vaca e salvar as girafas da Amazônia: numa palavra, atrapalhar o agro brasileiro e produzir fome no mundo. São ambientalistas neomalthusianos e embusteiros.

Por outro lado, o agro cresce cada vez mais, e se tornou a principal potência econômica do Brasil. O foco é o Centro-Oeste, que tem muito dinheiro e pouca gente. No entanto, o interior de São Paulo aderiu ao movimento. Assim, Bolsonaro, que não chegou na presidência como um cacique do Rio de Janeiro nem nada do gênero, foi adotado pelo agro como seu presidente. E Tarcísio veio no pacote, já que as elites partidárias paulistas não se renovaram junto com a economia do estado.

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