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pedras da geórgia
As pedras da Geórgia, em Elbert, Geórgia (EUA). Foto de 2011.| Foto: Bigstock

Mês passado, os confins mais obscuros do Twitter e do Telegram estavam falando da queda das pedras da Geórgia, com imagens de um mini Stonehenge. Eu pensei que se tratava de algum monumento ancestral do Leste europeu, mas não: é a Geórgia dos Estados Unidos, e o monumento foi inaugurado em 22 de março de 1980. As partes mais vistosas que compõem o monumento são as quatro tábuas gigantes com dez mandamentos escritos em oito línguas. Eis os dez mandamentos, escritos em inglês, espanhol, suaíli, indiano, hebraico, árabe, chinês e russo:

  1. Manter a humanidade abaixo dos 500.000.000, em perpétuo equilíbrio com a natureza.
  2. Guiar a reprodução com sabedoria – aprimorando a adequação (fitness) e diversidade.
  3. Unir a humanidade com uma nova língua viva.
  4. Governar a paixão – a fé – a tradição – e todas as coisas com a razão temperada.
  5. Proteger os povos e nações com leis e cortes justas.
  6. Deixar todas as nações governarem internamente, legando disputas externas a uma corte mundial.
  7. Evitar leis mesquinhas e burocratas inúteis.
  8. Equilibrar direitos individuais com deveres sociais.
  9. Premiar a verdade – a beleza – o amor – buscando harmonia com o infinito.
  10. Não ser um câncer na Terra – Deixar espaço para a natureza – Deixar espaço para a natureza.

Traduzi do inglês, mantendo a pontuação idiossincrática. O monumento tem mais umas inscrições em línguas mortas, orifícios para marcar eventos astronômicos, instruções incompletas para abrir uma cápsula do tempo… Quanto à sua autoria e financiamento, informa: quem fez foi “R. C. Christian (um pseudônimo)”, e quem bancou foi “um pequeno grupo de americanos que buscam a Idade da Razão”.

Sem dúvidas, o monumento foi financiado por um bando de malucos pretensiosos. Malucos pretensiosos não raro causam estrago – os nazistas eram malucos pretensiosos, os comunistas eram malucos pretensiosos. Mas se os nazistas e os comunistas diziam que queriam acabar com uma parcela da humanidade, é muito duvidoso que quisessem acabar com uma parcela tão grande e manter o resto sob coação. Os marxistas queriam que o proletariado reinasse, e o proletariado é numeroso. Os nazistas, mesmo que porventura quisessem matar todo não-alemão (o que não é verdade), pretendiam usar os terrenos da Rússia como Espaço Vital a ser ocupado pela raça ariana, que se multiplicaria ali indefinidamente. Não é exagero, portanto, dizer que as pedras da Geórgia pregam algo que vai além do genocídio: é um combate perpétuo ao humano, independentemente de considerações morais, raciais e econômicas.

Quem fez?

O número mágico de meio bilhão de habitantes é coisa de ambientalista. Em seu breve resumo histórico do ambientalismo malthusiano, intitulado O Reich Verde: Do aquecimento global à tirania verde (Armada, 2021), Drieu Godefridi atribui à obra The Population Bomb (1968), de Paul Ehrlich, o número mágico. Segundo ele, “podemos encontrar seu desenfreado antihumanismo no ambientalismo contemporâneo, que tem vontade de reduzir a população humana a uma pequena fração do que é [Ehrlich falava em 500 milhões], uma redução drástica que seria a solução final para o problema ecológico e até mesmo a ideia de instituir um Imposto Internacional de Sobrevivência, pago por países desenvolvidos e recolhido pelas Nações Unidas, porque ‘homens e nações aprenderam como somos dependentes uns dos outros e da saúde da nossa pequena espaçonave chamada Terra’” (p. 32).

De fato, não há surpresas portanto quanto ao fato de os mandamentos serem voltados à preservação da natureza – natureza esta que curiosamente exclui o homem.

Se alguém pichasse uma suástica, sem dúvidas haveria esforços para descobrir o autor da pichação. Já a autoria desse monumento apologista de genocídio permaneceu um mistério por décadas.

Em 2015, o diretor Christian Pinto fez um documentário intitulado Dark Clouds over Elberton com a finalidade de descobrir a autoria do monumento. No fim das contas, a única pessoa que interagira de maneira mais próxima com R. C. Christian era o banqueiro encarregado de fazer as transações entre os artesãos e os pagadores. O banqueiro, já velhinho, gostava muito de R. C. Christian, jurava que era um cristão e alguém desejável em qualquer comunidade – e não um satanista, como diziam os moradores locais. Por isso, estava comprometido a levar o segredo de sua identidade para o túmulo. No entanto, mediante as insistências do documentarista, ele aceitara fazer uma pequena concessão: apenas abrir a caixa de papéis referentes à construção do monumento, sem se comprometer a abrir envelope nenhum. O velhinho despejou os envelopes no chão, o documentarista filmou o ato e investigou os endereços.

Outra fonte para pistas foi o livro que R. C. Christian publicou em 1986, para dar esclarecimentos relativos aos seus mandamentos. No mais, a empreiteira manteve papéis da época da construção do monumento e à compra do terreno, o que inclui cartas de R. C. Christian.

Somando-se tudo, o documentarista chegou às pessoas de Robert Merryman – que publicou o livro – e Herbert H. Kersten. Este último seria o R. C. Christian que visitara a cidade e tratara pessoalmente da construção do monumento. Kersten em alguma língua nórdica antiga significaria cristão (em inglês, Christian), e o pseudônimo acaba sendo a fusão do nome da dupla de amigos.

Kersten era médico e inventor, mas fez constar em sua lápide duas qualificações: médico e conservacionista, ou seja, ambientalista.

Mais americanos

De posse da identidade de Kersten, o documentarista pôde ir à cidade natal do inventor, Fort Dodge, procurar maiores informações na biblioteca local, bem como conversar com historiadores e conhecidos. A cidade tem hoje menos de 30 mil habitantes, o que quer dizer que todo o mundo se conhece. Logo souberam ainda que Kersten se considerava um arquiteto; além disso, encontraram um artigo em que o médico defendia que controle populacional era então o “problema de saúde” mais urgente, já que a população em breve levaria à exaustão de recursos naturais e estava poluindo demais. O problema seria resolvido com “educação” e contraceptivos. Paradoxalmente, Kersten era católico e deixou uma grande herança para a Igreja após a sua morte.

Na verdade, Kersten era um paradoxo ambulante, pois todos sabiam de sua concomitante adesão à Igreja e à contracepção, bem como por sua admiração pessoal por Shockley, um cientista que ganhou o Nobel, praticamente fundou o Vale do Silício, acreditava na superioridade ariana e defendia a redução populacional por meio da esterilização remunerada de quem tivesse um QI inferior a 100. Além disso, segundo o próprio Kersten contara, Shockley acreditava que ele conseguiria provar que os europeus nórdicos são a raça superior. Também nisso, é claro, estava em contradição com a Igreja.

No mais, Kersten era um notório supremacista branco. Chegou a enviar carta para jornal de outro estado defendendo David Duke, um ex-líder do Ku Klux Klan. O colunista criticado por ele respondera em público, e a alegação do médico era que David Duke era um dos poucos que conheciam o verdadeiro interesse dos EUA, e dá voz às crenças dos americanos racionais (reasonable). E David Duke, a seu turno, tem um livro autobiográfico no qual revela que Shockley era seu amigo.

É possível, portanto, que os ambientalistas que construíram o monumento da Geórgia sejam um círculo supremacista branco em cujo centro está William Shockley, o inventor do semicondutor, o cientista e engenheiro elétrico que deu origem à indústria tecnológica do Vale do Silício.

Dúvida que fica

Não há mistério quanto à escolha do local para a construção do monumento. Elberton, da Geórgia, é um local famoso pela qualidade do seu granito e da perícia dos artesãos em trabalhar a pedra. Convenhamos que é muito mais difícil contratar um empreiteiro numa cidadezinha para fazer uma obra excêntrica e cara anonimamente do que pichar uma suástica no meio da rua. As pedras da Geórgia atiçam a curiosidade de teóricos da conspiração há décadas e, é bom frisar, defendem a redução da humanidade a uma fração daquilo que era já na década de 80. Como foi preciso esperar 35 anos para um documentarista descobrir essas coisas? O mínimo necessário para tal coisa é a aceitabilidade social do genocídio, desde que se apresente sob a capa do ambientalismo ou da ciência. No mínimo é isso; no máximo – falemos enquanto ninguém criminaliza “teorias conspiratórias” – a elite do Vale do Silício, essa mesma que empurra o identitarismo e ambientalismo neomalthusiano goela abaixo, continua apitando até hoje, com o mesmo ideário de Shockley e seus pupilos.

De todo modo, a aceitabilidade do genocídio é um fato. O fatídico número de meio bilhão apareceu outra vez este ano, no Fórum Econômico Mundial, tratando do mesmo assunto do crescimento populacional, como mencionou Paula Schmitt aqui. É preciso abrir o olho para esse monte de aspirante a genocida que faz cara de paisagem.

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