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O Grinch pandêmico é o monstrinho da coação familiar que quer roubar o Natal
O Grinch pandêmico é o monstrinho da coação familiar que quer roubar o Natal| Foto: Bigstock

O assunto da coação estatal para tomar vacina experimental tem, com razão, ocupado o centro das preocupações daqueles que se importam com os efeitos político-sociais da pandemia. Mas, como é Natal, convém tratar do Grinch pandêmico: o monstrinho da coação familiar que quer roubar o Natal. Como as famílias são muitas e diversas, o monstrinho verde tem uma empreitada mais leve do que a de roubar “o Natal”, em abstrato. Com uma matriarca fanática aqui, um filho mala acolá, o Grinch vai enchendo um sacão com natais roubados, e é bem possível que o seu saco faça inveja ao do Papai Noel.

Afinal, em época de inflação, o saco de presentes do Papai Noel deve ter encolhido, e pode muito bem ter ficado menor do que o do Grinch. Mas esta é uma mera especulação de minha parte, já que eu mesma nunca fui ao Polo Norte e não sei como é a cadeia produtiva dos duendes. Será que eles produzem matéria-prima? Será que têm poções mágicas escondidas a sete chaves, capazes de produzir plástico e madeira para os brinquedos das crianças?

Só com uma pesquisa apurada se pode responder a tais questões. Enquanto não dispusermos de bons dados, fico com a hipótese de que o saco do Grinch este ano está mais cheio do que o do bom velhinho. Em defesa dessa hipótese, trago ainda as variáveis tradicionais da quantidade e do comportamento das crianças. A taxa de natalidade vem caindo no Ocidente, e só isso já faz com que o número de presentes possíveis caia. Além disso, a observação da classe média mostra um aumento contínuo de crianças malcriadas e filhas de pais que ouvem psicólogas zen. Pelas razões expostas, é de se esperar um declínio contínuo no tamanho do saco do Papai Noel.

O aumento do saco do Grinch

Agora peguemos a falta de crianças (e do pretexto para montar uma árvore de Natal) e o advento dos pais de pet (será que pai de pet monta árvore pro pet?) e somemos ao fato o aumento da expectativa de vida fazer com que houvesse muitos velhos (que costumam ser teimosos). Consideremos que, com a queda de natalidade, esses velhos são os pais dos pais de pet – o que não os torna avós de pet, mas sim pais desgostosos. Agora consideremos que os jovens muitas vezes são arrogantes, e que o advento dos pais de pet é um sintoma da difusão de expectativas emocionais erradas, segundo as quais ninguém precisa conquistar afeição e todos têm direito a amor incondicional. Aí arranjam um pet, um ser capaz de dar carinho e incapaz de criticar.

Temos então um monte de adulto problemático e frustrado. Por fim, como cereja do bolo, somemos a mania das vacinas, que faz os seus adeptos dividirem a humanidade entre grandes e pequenos vetores de doença. Se você não tomou a vacina, sua mãe e sua irmã podem achar que você é uma ratazana infecciosa a ser mantida longe das crianças. Esse caso extremo aconteceu com um amigo meu, e, evidentemente, não há estatísticas para dizer quão frequente é a situação. Mas a dele é a seguinte: a criança nasce, mãe e avó ficam desesperadas com o elemento infeccioso da família e não deixam o novo tio conhecer a sobrinha. Como esse avanço totalitário não se faz sem alguma hesitação ou peso na consciência, ambas ficam negociando com o pediatra da bebê o que fazer. PCR? Máscara? O pediatra alerta que a bebê não tem anticorpos para covid. O meu amigo alerta que ela tampouco tem anticorpos para gripe. As mulheres não entendem a redução ao absurdo e acham que ele está cobrando cuidados contra a gripe também. Daí vocês imaginam o sistema imunológico que as responsáveis querem que a criança tenha.

De novo: não sei quão representativo é isso. Mas não sei de outro remédio para entender as coisas do quotidiano que não observar o comportamento alheio e o próprio. Se a gente pagasse a funcionários do IBGE para perguntar como foi o natal, ainda teríamos de nos perguntar pela formulação e aplicação do questionário, bem como pela possível atuação de grupos de interesse.

No caso da família do meu amigo, não deixo de observar que a tensão dessas mulheres é causa, e não efeito, da escolha do pediatra. Na minha família, ainda antes da pandemia, houve pé de guerra por causa de escolha de pediatra também. Enquanto uma avó do Leblon queria que o neto fosse para um pediatra cheio de delicadezas, a outra avó, de Jacarepaguá, queria que a mesma criança tivesse um pediatra da Zona Oeste. Esta avó prevaleceu e fica contente por ver que o pediatra esculacha as mães que não educam os filhos (coisa visível quando se tem um pirralho malcriado na sala de espera). Esse pediatra está agora esculachando as mães de crianças asmáticas, pois atribui o uso de máscara ao desenvolvimento da doença.

A observação da vida alheia também me faz concluir que a ausência de brigas natalinas não é indício inequívoco de boa coisa. Há o amigo cuja família no ano passado fez uma videochamada em vez de ceia. É possível, portanto, que uma família inteira esteja de pleno acordo quanto a todos se enxergarem como ratazanas infecciosas, de modo que os dilemas simplesmente não surjam.

Claro que, se eu pudesse escolher família, teria uma em que ninguém cobra vacina de ninguém, em que houvesse matriarca viva e em que nenhum velho tivesse medo de covid (seja por já ter pego a doença ou por já ter bolado um plano para quando pegasse a doença, já que os vacinados pegam e o vírus não vai sumir).

Um belo pedido de desculpas

Voltemos à vaca fria, então, que era a coação familiar para a vacina. A extensa classe dos velhos teimosos foi a vítima inicial do assédio. Uma legião de pais de pets, de Enzos e de Valentinas viu o jornalista dizer que os velhos têm que ficar em casa e tomar vacina. Se o jornalista limpinho e cheiroso disse, então é a mais absoluta verdade. Tudo o que o pai de pet, de Enzo e Valentina sabe fazer é olhar para a cara do pet (que não discute com ele) e mandar o Enzo e a Valentina alternadamente para a creche (que educa) e o psicólogo (que conversa com eles). Não discute nem com o pet, nem com o Enzo, nem com a Valentina. Na verdade, está acostumado a afirmar platitudes e slogans dentro de uma bolha, então não sabe muito bem o que é discutir um assunto e saca do bolso “é a minha opinião, todo mundo tem a sua” e “ele tem que tomar a vacina e acabou”, sem perceber que opinião imposta é mais que mera opinião.

Agora, mais grave do que isso é a total ausência de responsabilidade das pessoas que têm essa mentalidade. Assediam alguém para tomar a vacina, mas depois não estão nem aí para os efeitos colaterais. A irresponsabilidade é um mal dos laboratórios replicados pelas famílias. Se alguém que você assediou tomou uma dose da vacina, depois ficou com o sistema imunológico meio esquisito, pegando infecção boba de repente, e ainda pegou covid, o mínimo que você pode fazer é ficar quieto e não dar a sua “opinião pessoal” não solicitada.

No caso particular que tenho em mente, o velho foi assediado por dois filhos. O que mais o importunou virou fervoroso contestador da segurança das vacinas. Não pediu desculpas para o pai, nem liga para saber como está a saúde.

Vejo uma idiotia espalhada pela sociedade, segundo a qual as pessoas emitem opiniões como se isto não tivesse nada a ver com a verdade, e se tratasse mais de etiqueta do que de qualquer coisa. As pessoas levam essa etiqueta mais a sério do que a saúde dos entes supostamente queridos. Se ficar bem na fita consigo mesmo custar a saúde do seu pai, não há nenhum dilema ético percebido. Falar é um ato destituído de responsabilidade. Falar é performance. E não há como julgar o que é bom ou ruim, verdadeiro ou falso, sem apelar para a percepção subjetiva de uma panelinha chique.

É melhor que esse povo tenha só pet mesmo.

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