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Hitler não se gabava de libertar as judias do fardo da reprodução.| Foto: Reprodução/ Redes Sociais/ ONG Católicas pelo Direito de Decidir

Não é à toa que Hitler foi escolhido como uma espécie de diabo secular, de modo que quem queira xingar o adversário chama-o de nazista. O genocídio perpetrado pelo III Reich de fato foi algo excepcional na história da humanidade. Não se trata de uma questão numérica, pois decerto os comunistas mataram mais. O fato de se atentar mais às vítimas de origem judaica do que às vítimas políticas também se explica, pois gente adulta que faz oposição a regimes sabe que corre riscos. Mas os comunistas e, depois, os conservadores, iam presos junto com crianças inocentes, nascidas e criadas na Alemanha, às vezes até como cristãs e luteranas. A matança por critérios étnicos tampouco é novidade na história da humanidade. Mas o genocídio nazista foi um divisor de águas por duas questões: (1) foi feito com muita sofisticação tecnológica, e os crentes no progresso humano achavam que o barbarismo ficaria para trás à medida que a técnica avançasse; (2) as vítimas eram pessoas perfeitamente integradas à sociedade, em nada se parecendo com uma guerra tribal.

A crença no progresso moral por meio do avanço técnico-científico era muito sólida na Europa do iluminismo e de Comte. Daí o choque dos contemporâneos. Os nazistas, finos apreciadores de música clássica e engenheiros formidáveis, geraram uma barbárie sanitizada e ordenada. Como progresso tecnológico não implica progresso moral rumo ao bem, na moderníssima China um governo de maioria han tem um complexo de trabalhos forçados onde foi concentrada a recalcitrante minoria uigur. Sendo um país multiétnico, com várias línguas, religiões e matrizes culturais, não é de surpreender muito que esse tipo de coisa aconteça num país oriental rico e tecnológico. Mas no Ocidente a norma é os Estados nacionais neutralizarem diferenças étnicas. Começou com o catolicismo na Idade Média, continuou com as formações dos Estados nacionais laicos. Os guetos judaicos eram uma recalcitrância religiosa medieval. Portugal foi pioneiro em acabar com isso. Valeu-se da conversão forçada – que esteve mais para conversão para inglês ver, e uma certa liberalidade que durou até o sumiço de D. Sebastião. Ao cabo, a presença judaica no mundo lusófono forjaria nacionalidades por meio do sebastianismo. Menos dramático, o resto da Europa teve em Napoleão Bonaparte um marco para a integração dos judeus, já que ele os emancipou e deu cidadania. Por se tratar de algo burocrático e recente, ficava fácil rastrear os antepassados de alguém nos cartórios e determinar quantos ascendentes judeus essa pessoa tinha.

Ser um europeu descendente de judeus no século XX, na Alemanha ou fora dela, era ser um concidadão entre outros e um falante da mesma língua que os demais (hebraico era língua morta; iídiche era um dialeto alemão). Se praticante da religião judaica, o judeu era mais uma religião dentro de um estado laico; se praticante de religião nenhuma, ou se cristão novo sincero, a origem judaica era uma mera curiosidade genealógica ou familiar. Ou seja: mandar o seu vizinho médico para o campo de concentração para ser escravizado e morto é algo bem diferente de ouvir que um estranho uigur da remota província de Xinjiang está sendo escravizado por lá. Os alemães de origem judaica estavam plenamente integrados à Alemanha. Este é mais um motivo para o seu genocídio ser sem precedentes e não diferir muito do trivial morticínio de um povo por outro.

No entanto, a exploração política desse genocídio faz parecer que as coisas sempre estiveram muito clara para os alemães. Não estavam sequer para os nazistas. Hitler chegou ao poder em 33. Só no final de 39, após o Molotov-Ribbentrop, começam as “deportações” das pessoas consideradas judias. As máquinas de morte não ficavam na frente dos alemães; as vítimas eram deportadas para o Leste europeu. A antiga cidade de Auschwitz fica na atual Polônia e hoje tem um nome pouco legível (Oświęcim). Aos alemães “arianos” dizia-se que os judeus iriam para cidades novas construídas para eles. Havia um precedente disso na União Soviética, que ainda sob Lênin criou um oblast judaico perto do Japão.

E se no passado os nazistas tivessem feito divulgações e propaganda dos campos de concentração, festejando-os e recrutando internos por meio da persuasão?

Ainda hoje permanece um mistério a ordem da “solução final”, isto é, do extermínio. Em 1941, os nazistas pensavam em despachar os judeus para Madagascar. O normal da época era o separatismo racial. (Esse separatismo, aliás, voltou à moda nos dias de hoje por meio dos movimentos negros financiados pela Fundação Ford.) Para se ter uma ideia de como se enxergavam as coisas, Primo Levi, que era um jovem comunista italiano, preferiu se declarar judeu ao ser detido pelos nazistas. Ele nem foi dos menos espertos: entre seus colegas judeus de detenção havia “uns poucos que tinham se apresentado espontaneamente, devido ao desespero de continuarem vivendo errantes e fugidios, ou por terem ficado sem recurso algum, ou por não quererem separar-se de um parente já detido, ou ainda, absurdamente, para ‘ficarem dentro da lei’.” (É isto um homem?, p. 13) Essa talvez seja a maior prova de como as coisas não eram óbvias para quem as viveu.

No entanto, a forma como o Holocausto é dramatizado nos dias de hoje faz crer que os alemães endoidaram de uma hora pra outra e resolveram matar judeus; algo parecido com o genocídio tútsi em Ruanda. Mas na verdade o genocídio alemão foi feito às escondidas, longe dos olhos da população. Em 42, antes de começarem a usar câmaras de gás, Himmler, líder dos SS, registrou em seu diário a execução por fuzilamento de famílias inteiras, descrevendo suas despedidas. Ele teve uma crise de nervos, vomitou e quase desmaiou. O problema da vista desagradável que embrulha o estômago foi resolvido. Himmler não assistiu mais a execuções. Os fuzilamentos pelos SS foram substituídos pelas assépticas câmaras de gás, onde ninguém aperta gatilhos. As despedidas dramáticas acabaram com triagens burocráticas, separando famílias antes de mandar algumas pessoas para o "banho". O Holocausto foi escondido. Entre os perpetradores, os cidadãos e as vítimas, deveria valer o ditado: “O que os olhos não veem, o coração não sente.” O mal atemorizava até os perpetradores.

Mas o que diríamos de barbaridades perpetradas por quem vê? E se no passado os nazistas tivessem feito divulgações e propaganda dos campos de concentração, festejando-os e recrutando internos por meio da persuasão? Há um aspecto no qual o Mal hoje acontece de forma contrária à do século passado: ele é publicizado e festejado até em sua face mais assustadora.

O ponto menos controvertido no qual o progressismo se assemelha ao nazismo é a "eugenia negativa" promovida pelos programas de eutanásia. O MAiD, do Canadá, oferece a morte como “tratamento médico” para velhos, doentes e pobres. Na Alemanha Nazista, as famílias mandavam o deficiente para o médico e ouviam que o pobrezinho morreu. Na Holanda e na Bélgica do século XXI, porém, as famílias vão ao médico com seus próprios pés solicitar que matem o filho doente. Isso não é feito às escondidas por burocratas inescrupulosos; é política de Estados democráticos trombeteada aos quatro ventos como conquista social. E como o consentimento não sai do nada, nem é um assunto estritamente individual, o Canadá já faz um livro infantil sobre o MAiD.

Moralmente, a nossa época é pior do que a da Alemanha Nazista. Àquela época o mal era escondido da população geral. Hoje é exibido em praça pública sob confetes

Mas isso são as crianças nascidas. Nos Estados Unidos, a reversão de Roe v. Wade não implicou a criminalização do aborto. Nesse país tão festejado pelos “conservadores” brasileiros, graças a uma decisão do Supremo lá deles, é liberado matar embriões e fetos em qualquer etapa da gravidez. A vida de um bebê de 9 meses dentro da barriga pode ser extinta com base na “liberdade de escolha” da mãe, e isso é alardeado como um formidável direito humano. Exportado para o nosso país, serviu para que a lei que permite o aborto em caso de estupro se transformasse numa autorização expressa para tratar o aborto como um fim em si mesmo, vedando a antecipação do parto de uma criança viva. Tenho em mente o caso da menina de Santa Catarina grávida de quase sete meses, cujo bebê poderia ter nascido vivo em parto antecipado, mas preferiram matá-lo antes por ser considerado fruto de estupro.

A presença da Planned Parenthood em bairros negros tem notória história eugenista. Não obstante, a Casa Branca continua tratando o aborto como um direito fundamental das mulheres negras. Que eu saiba, os nazistas não ousaram tratar o aborto como um direito especial das judias, e as uigures não veem como libertação o aborto e a esterilização aos quais são submetidas. Xi Jinping não se gaba do “acesso ao aborto” em Xinjiang; em vez disso, nega as atrocidades e tenta escondê-las.

Por fim, uma coisa que creio sem precedentes é a prática de pais com boas condições financeiras esterilizarem os próprios filhos na infância. Os pais (sobretudo as mães) hoje estão castrando química e fisicamente os seus filhos e filhas, e isso não começou às escondidas. Pelo contrário, começou com o reality show sobre Jazz Jennings, a primeira criança trans famosa. Entre nós, brasileiros, as iniciativas esparsas são divulgadas pela imprensa – vide a matéria do portal G1 sobre crianças trans no Hospital da USP que indignou as redes sociais.

Moralmente, a nossa época é pior do que a da Alemanha Nazista. Àquela época o mal era escondido da população geral. Hoje é exibido em praça pública sob confetes.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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