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Se Jair Bolsonaro morrer, o Brasil inteiro vai atribuir isso à feitiçaria e achar que a esquerda tem pacto com Satanás.
Se Jair Bolsonaro morrer, o Brasil inteiro vai atribuir isso à feitiçaria e achar que a esquerda tem pacto com Satanás.| Foto: Bigstock

Tenho um amigo que ficou triste com a morte de Lázaro, mas não é petista nem acha que faltou Renda Mínima para impedir serial killers. É que o noticiário estava outra coisa desde que Lázaro aparecera e agora voltaríamos à vaca fria da Covid. Ele dizia que preferia morrer de Lázaro a morrer de Covid.

Eu também tinha meus motivos egoístas para querer que Lázaro durasse um pouquinho mais. Era tanta pauta; nem tinha dado tempo de escrever sobre como o caso revelou a onipresença das crenças sobrenaturais na sociedade brasileira.

Assim, na condição de escritora à procura de pauta, fiquei feliz da vida ao ver que há um monte de esquerdista nas redes sociais se regozijando com a possibilidade de Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho morrerem ao mesmo tempo. Isso me permite antecipar, sem sombra de dúvidas, o que a sociedade brasileira diria se tal coisa acontecesse: foi mau-olhado.

Na política, solução sobrenatural

Deputados federais se voluntariaram para pegar Lázaro. Ficou mais famoso o vídeo da deputada de Goiás Magda Mofatto, que fez um remake do número do ex-governador Witzel. Do alto de um helicóptero, dando uma de Rambo fêmea, ela apontava uma arma para o chão e dizia: “Te cuida, Lázaro!”. Solução de Hollywood.

O deputado federal mais votado da Bahia, o Pastor Sargento Isidório, propunha uma linha sobrenatural. Envolto em folhas – não sei se para camuflagem ou se eram folhas sagradas de candomblé – o deputado dizia que Lázaro “é coisa do diabo”, que é um “gadareno” (alguém possuído pelo diabo). As PMs de Brasília e de Goiás não estariam conseguindo achá-lo por não terem olhos espirituais. As glórias caberiam à PM da Bahia, que conta com muitos fiéis da igreja dele, versados nessas coisas do além e capacitados, portanto, para pegar o gadareno.

Não fica claro que isso seja feito por meio de armas, já que o próprio Isidório saca uma Bíblia e faz feitiços de exorcismo em nome de Jesus, secundado, segundo ele, por policiais baianos. Ou seja: a PM-BA contribuiu com a captura de Lázaro por meio de mandinga gospel.

Linha investigativa sobrenatural

Para variar, o jornal O Globo trouxe depoimentos bastante verossímeis de líderes de religiões africanas a revelarem que as polícias locais, diferentemente do que dizia o nobre deputado, tinham os olhos espirituais bastante abertos. Os líderes não falaram de racismo (eram brancos), nem de “racismo religioso”, nem apontaram suásticas no banheiro. Se falassem coisas assim, eu não acreditaria. Em vez disso, os velhos umbandistas reclamavam dos policiais violando espaços sagrados, desrespeitando idosos e insistindo que eles estavam fazendo feitiços para ajudar Lázaro. Como “prova” disso, foram divulgadas nas redes sociais imagens de Exu cultuadas nesses centros.

Exu, o orixá representado com um pênis ereto gigante, é muitas vezes sincretizado com o diabo. Os umbandistas são satanistas. Lázaro é do diabo. Logo – segundo a linha sobrenatural de investigação – tudo está conectado. Basta quebrar os terreiros que Lázaro aparece. Trata-se de uma linha sobrenatural investigativa diferente da do Pastor Isidório, já que não se trata de possessão demoníaca a ser resolvida com exorcismo.

Crença geral na feitiçaria

A linha investigativa goiana pareceu gozar de mais sucesso entre a população geral. Em seu perfil no Facebook, Antônio Risério contou ter ouvido de um peão lá em Itaparica que Lázaro era versado em feitiçaria, pois tinha o Livro de São Cipriano, que ensinava a ficar invisível e virar caipora.

Esse livro existe mesmo. Consiste em diversas versões de coletâneas de feitiços redigidos por volta do século XVII. Ou seja, é livro de mandinga europeia que chegou aqui com os portugueses. Na Inquisição, feitiçaria era punida com degredo para cá, de maneira que recebemos uma porção de bruxas e bruxos de Portugal. Só não podia ter caipora no Livro de São Cipriano, já que não há caipora na Europa.

Se não era o próprio Lázaro o feiticeiro, havia ainda a versão de que a mãe dele era uma feiticeira e que, enquanto ela vivesse, Lázaro não seria capturado. Entrevistada, a genitora negou que fosse feiticeira e que Lázaro fizesse feitiços. Mais: ela considera que tais acusações mancham a família dela.

Moral da história

O resultado das investigações jogou um balde de água fria na cabeça mística do nosso povo. Bastou a sogra abrir a boca e se descobriu que o assassino não estava encantado na mata, mas tranquilão na casa de um fazendeiro que desejava a desvalorização das terras vizinhas. Mas ninguém pode provar que nenhuma das mil mandingas multiétnicas e ecumênicas teve papel decisivo para o desfecho do caso. Quem crê, crê; quem não crê, não crê. Na polícia, na política e na população geral, o caso Lázaro foi tratado como um evidente caso de feitiçaria.

Dito isso, se eu fosse esquerdista, rezaria muito pela saúde do presidente. Faria despachos benignos para Omolu, orixá da saúde, e acenderia uma porção de vela para São Lázaro. Porque se esse homem morre, o Brasil inteiro vai atribuir a feitiçaria e achar que a esquerda tem pacto com Satanás.

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