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Na pesquisa que fez para o documentário (Dis)Honesty: The Truth About Lies, o economista Dan Ariely descobriu que algumas pessoas que mentiam para se beneficiar (doping, fraude etc.) justificavam o que faziam dizendo que achavam que as outras pessoas também trapaceavam para se beneficiar. A sua própria mentira seria uma forma de equilibrar as regras do jogo, uma maneira torta de promover a igualdade numa competição esportiva, na escola, no ambiente de trabalho.

A partir do exemplo do ciclista americano Joseph Papp, atleta de ponta que foi banido do esporte por uso de doping, Dan Ariely explicou que as pessoas justificam as próprias escolhas erradas com base no erro dos outros. “Se você disser para si mesmo: ‘todo mundo está fazendo’”, explicou o economista, “é mais fácil racionalizar para si mesmo que não há problema em fazê-lo e trapacear num nível mais alto”.

E na política? Ao contrário da tentativa de equilibrar as regras do jogo, a mentira é um instrumento para desequilibrar as regras do jogo, para estabelecer a desigualdade entre quem a cria e as suas vítimas. Enganar faz parte da manipulação, tema da coluna da semana passada.

Depois do assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSol, crime que permitiu toda a sorte de estratagemas, os tiros disparados contra o ônibus da caravana dos desesperados liderada pelo ex-presidente Lula da Silva foi o estopim para mais uma manipulação eficiente empreendida pela esquerda. Digo “eficiente” porque pautou a imprensa e as redes sociais.

Para usar a palavra da moda, a narrativa foi muito bem construída.

Diante do fracasso da caravana de Lula, que vem se tornando o cadáver insepulto da política nacional, que tiro providencial, pois não? Se parte da população reage com gritos e ovos ante a chegada dos petistas, isso, quando muito, rende algumas fotos, mas impede a exploração política. Mas se um dos veículos da caravana é alvejado (e Lula nem estava no ônibus atingido), a saga ganha nova amplitude. Ser alvo de arma de fogo é bem mais interessante politicamente que ser alvo de ovo. É difícil criar uma narrativa contra senhorinhas atirando ovos com precisão de sniper americano, mas não contra um tiro que foi (supostamente) disparado pelo inimigo.

Quem apareceu para fornecer para a grande imprensa os contornos dramáticos, fidedignos e honestos ao suposto atentado contra a caravana foi a jornalista Eleonora de Lucena, que estava no ônibus junto com outros profissionais que cobiram a turnê. E aqui cabe um contexto. Esquerdista 10 graus na Escala Richter, Eleonora trabalhou por mais de 30 anos na Folha de S.Paulo, onde ocupou vários cargos. Durante 10 anos, ela foi editora-executiva do jornal e hoje dá expediente no seu próprio site, o esquerdista Tutaméia, nome que remete ao livro de contos de Guimarães Rosa e que significa diminuto valor, insignificância: mais do que adequado, pois não?

A jornalista é, portanto, a fonte confiável para jornalistas da imprensa escrita e de emissoras de televisão, colegas que ou já trabalharam com ela ou que a veem como exemplo profissional. Para eles, o que ela fala ou escreve goza de credibilidade, jamais de desconfiança. O amplificador corporativista é então ligado e os jornalistas viram alto-falantes de seus próprios companheiros de ofício que alimentam a militância virtual.

O relato dela em vídeo e em artigo para a própria Folha de S.Paulo, entretanto, não deixam qualquer dúvida sobre a sua intenção. O texto tenta passar o drama do evento, a expectativa sobre a origem do barulho seco, a descoberta da marca do projétil na lataria do ônibus, para depois culminar com as acusações antes das quais todo o resto era uma preparação.

Por essa narrativa, palavra que, junto com estamento, aprendi a desgostar porque desgastada, o tiro foi um atentado político planejado por integrante das milícias ultradireitistas fascistas e armadas formadas por “adeptos do Bolsonaro, ruralistas, pessoas violentas que berram e xingam” coisas como “lincha, é comunista”. E, porque são milícias ultradireitistas, na cabeça da jornalista de esquerda são equivalentes às “gangues que precederam as SS nazistas”. Para reforçar a narrativa perante a militância, Lula entra em cena no Twitter para dizer que estava vendo “quase o surgimento do nazismo”, seja lá o que esse “quase” significa.

Eu, que estudei um bocado o nazismo para a minha dissertação de mestrado no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, fico estupefato com a desproporção entre a gigantesca quantidade e a ínfima qualidade de aplicações da palavra nazismo. Perante qualquer ato que a esquerda rejeita, ela é usada como insulto coringa.

Eleonora encerra o seu artigo-depoimento na Folha de S.Paulo com uma convocação ao combate e uma revelação: para ela, pacifismo bom é pacifismo só do lado do inimigo. Em sua retórica ideológica, o atentado “não foi apenas contra Lula” –  o que seria impossível porque, repito, ele nem estava no ônibus -, mas “contra a democracia”, afirmação que produz um oximoro ao reunir Lula e democracia numa mesma frase. A jornalista foi além: mandou os democratas (na versão marxista, obviamente) estudarem história para juntos constituírem desde “já uma frente ampla contra o fascismo”.

Os companheiros de Eleonora terão, entretanto, que estudar também conceitos políticos para saberem se os inimigos são nazistas ou são fascistas, confusão que pode provocar baixas indesejadas para a sua luta: afinal, o PT dos nacional-socialistas alemães poderia ser bom aliado de ocasião do PT brasileiro. Mas esse é o problema de mandar alguém estudar: se aqueles para quem Eleonora dirige a sua convocação estudarem história e política a sério, certamente deixarão de ser marxistas; e a jornalista não terá com quem brincar de Rosa Luxemburgo.

Ela própria, Eleonora, deveria seguir a sua própria sugestão de estudar, não só o nazismo, mas também a história política e econômica do Brasil. Talvez assim – talvez, talvez – ela se desse conta da impossibilidade de desenvolver um “Projeto Nação Brasil” alicerçado em tanta ideologia equivocada e com gente como Ciro Gomes e Luiz Carlos Bresser Pereira, personagens que ajudaram a preservar as piores ideias e práticas políticas e econômicas no país.

Talvez vocês que me leem não conheçam Bresser Pereira, mas ele tem um passivo histórico que, para a nossa sorte, Ciro não conseguiu construir por razões alheias à sua vontade (recomendo esses artigos sobre as mentiras que ele repete à exaustão sobre inflação, previdência, dívida pública). Bresser é da turma antiga da esquerda: em 1970, foi membro do conselho diretor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), entidade cofundada por Fernando Henrique Cardoso. Em 1987, foi ministro da Fazenda do desastroso governo de José Sarney, época em que criou um plano econômico, lançado em 12 de junho daquele ano, com medidas inteligentíssimas como o congelamento de preços e de salários por 90 dias e o aumento de tarifas públicas. Resultado? Hiperinflação, recessão e desvalorização da moeda.

Trinta anos depois de ser responsável direto por um desastre econômico, em 2017, Bresser Pereira, para defender Lula, disse em entrevista à Folha de S.Paulo que o dinheiro do “caixa dois (usado pelo PT) e presentes elevados (recebidos por Lula) faziam parte dos usos e costumes brasileiros” e que, por isso, não poderiam “ser considerados crimes”. Por qual razão figuras como Bresser Pereira e Delfim Netto (outro que é detentor de um passivo histórico profundamente negativo e que agora está encalacrado com a Lava Jato) são consultados pela imprensa como sábios da economia é algo que escapa à minha compreensão.

Na semana passada, muito se especulou sobre a origem dos tiros. Estou no grupo daqueles que consideraram o episódio muito estranho, para usar um eufemismo, justamente quando a caravana dos desesperados despontava para a irrelevância e a sua importância era proporcional ao número de ovos atirados por gente que está farta de Lula e do PT. É o tipo de história que se encaixa à perfeição na estratégia de manipulação exposta por Ryan Holiday em seu livro Acredite, estou mentindo – Confissões de um Manipulador das Mídias, que citei no artigo passado. Não será surpresa para ninguém se se revelar que o disparo foi feito a mando do PT, que depois usaria o ato para se vitimizar e acusar os adversários de “atentado político”. Tudo feito com a complacência dos jornalistas, naquilo que Flávio Gordon explicou muito bem no seu A Corrupção da Inteligência – Intelectuais e Poder no Brasil.

Qualquer manipulação tem a linguagem como instrumento poderoso. No âmbito da política, há pelo menos oito padrões que permitem detectar propaganda ideológica disfarçada de informação credível. No episódio envolvendo a caravana dos desesperados, aplicam-se ao conteúdo veiculado pela grande imprensa sete padrões elencados pelo cientista político americano Harold Lasswell em seu livro A Linguagem da Política (p. 167):

1. Teste da Declaração de Motivos: quando há identificação explícita entre o conteúdo divulgado e um dos lados da controvérsia.
2. Teste do Paralelismo: o conteúdo de um determinado veículo de imprensa é semelhante ao dos órgãos de propaganda ideológica (idem).
3. Teste da Consistência: o fluxo de informações é consistente com os objetivos da propaganda ideológica manifestados por uma das partes envolvidas na controvérsia.
4. Teste da Apresentação: um dos lados da controvérsia recebe tratamento mais favorável que o outro.
5. Teste da Fonte: dependência acentuada de uma fonte que está a serviço de uma das partes na controvérsia.
6. Teste da Peculiaridade: uso de vocabulário similar ao utilizado por um dos lados da controvérsia.
7. Teste da Distorção: modificação contínua das declarações acerca do mesmo assunto para favorecer um dos lados da controvérsia.

Embora o livro de Lasswell, publicado nos Estados Unidos em 1949 e no Brasil em 1982, tenha elementos teóricos superados por estudos mais recentes, esses padrões de verificação de propaganda política continuam bastante úteis. A partir desses sete pontos, comparem o que saiu na grande imprensa e na televisão sobre o tiro contra o ônibus com o que foi dito pelos petistas e publicado nos sites que estão a serviço da esquerda.

Exemplos na grande imprensa?

O Globo: “’Inadmissível’, diz Lula sobre ataque à comitiva do PT no Paraná”;

UOL: “Ônibus de caravana são atacados a tiros. ‘Querem matar Lula’, diz Gleisi”;

Estadão: “Analistas veem tiros contra caravana de Lula como ameaça à democracia”;

Folha de S. Paulo: “Presidentes da Câmara e do Senado criticam ataques à caravana de Lula: Maia classificou como gravíssimo, e Eunício disse que são ameaças também à democracia”;

GloboNews: “Tiros em caravana de Lula e ameaça a Fachin atingem democracia”;

Jornal do Brasil: “’Se pensam que com tiros vão me abalar, estão errados’, diz Lula”.

Exemplos na imprensa esquerdista?

Carta Capital: “Ovos, pedras, tiros: a escalada extremista contra a caravana de Lula”;

Diário do Centro do Mundo: “Como foi a emboscada à caravana de Lula que resultou em quatro tiros em dois ônibus”;

Brasil de Fato: “Alvo de atentado, caravana de Lula é atingida por tiros no Paraná”;

Tutaméia: “Lula dribla fascistas, e caravana segue no sul”.

Observem que existe um padrão na abordagem do assunto, no vocabulário, na divulgação da informação, que reproduzem e legitimam a narrativa dos petistas. Conjuntamente, alguns veículos da grande imprensa e sites de esquerda iniciaram uma tentativa de responsabilizar o pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro pelos disparos. Não é coincidência; é manipulação.

Enquanto escrevia este artigo (quinta passada), nada de resultado da balística nem o autor do disparo foi identificado. Só havia duas certezas, porém: 1. a única vítima do atirador foi o pobre ônibus; 2. a caravana do Joaquin Teixeira, muito mais animada do que a do Lula, jamais seria alvo de tiros. #Paz.

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