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O conservador não entende a liberdade como um princípio fundante nem como um valor absoluto. A discussão é rica e abundante. De que maneira, afinal, o conservador a concebe e a reconhece? Recorro, neste artigo, à explicação do professor Olavo de Carvalho, que entende a liberdade como um “preceito formal, sem conteúdo identificável a não ser mediante a enumeração dos seus limites” (A liberdade como parteira da tirania http://www.olavodecarvalho.org/a-liberdade-como-parteira-da-tirania/). Em artigos vindouros, trarei concepções de outros autores.

No esforço de colaborar para o desenvolvimento de uma teoria brasileira, incorporei à concepção conservadora de liberdade aquilo que Olavo escreveu com finalidade diversa, posto que tratou de filosofia política e do erro em qualificar a liberdade como um princípio. Um equívoco que o conservador pode evitar. Até porque, e cito novamente o professor, “a liberdade baseada nas virtudes e emoldurada por elas não necessita de uma definição precisa para tornar-se numa prática concreta de todos os dias” (Ibid.).

Um conservador deve compreender as virtudes como “princípios substantivos, que contêm na sua própria definição o desenho explícito dos limites de cada qual, bem como o perfil de suas relações com as demais virtudes”. Porque “a conduta do homem em sociedade” é “uma extensão das virtudes morais básicas”, que orientarão e definirão a política formal, o conservador deve defender e cultivar “a ideia da virtude como base da organização política e fundamento teórico-prático da liberdade” (Ibid.).

De forma esquemática, um conservador também vê a liberdade numa dupla dimensão: a liberdade endógena e a liberdade exógena. A liberdade endógena é a mais difícil de ser conquistada e é a que vai determinar se o indivíduo escapará da servidão voluntária, aquela que o faz projetar no Estado a imagem de grande provedor de direitos ilimitados e patrocinador de seus projetos e sonhos.

O conservador deve assumir-se como portador de virtudes que agirá com base no sentido de dever, de obrigação e de responsabilidade, elementos que forjam uma nação virtuosa e que devem estruturar a nossa imaginação moral e o nosso senso comum. Devemos superar o que nos tornamos: uma nação de credores que vive de reclamar direitos sem assumir os deveres; que vive de cobrar do outro o que nos recusamos a fazer.

Outro grande desafio do conservador é mostrar a importância da liberdade endógena para aquela numerosa parcela da sociedade que abriu mão da própria liberdade porque se recusa a assumir a responsabilidade e o dever de viver em comunidade.

A liberdade exógena é, por sua vez, distinta da endógena porque política, embora seja um reflexo da liberdade interior. Quanto mais acurado o grau de liberdade endógena maior a possibilidade de um nível mais elevado de liberdade exógena. Esse tipo de liberdade externa pode ser entendida a partir do conceito de liberdade negativa de Isaiah Berlin: a ausência de coerção de terceiros para o exercício responsável da liberdade individual.

A liberdade política é aquela que, basicamente, permite-nos desfrutar a vida com responsabilidade porque o Estado é limitado não só pela lei, mas pela cultura social que impede o seu avanço contra os modos de vida. Por outro lado, o conservador admitirá restrições à liberdade em momentos cruciais para que a sua própria vida e a dos demais sejam protegidas. O combate ao terrorismo é, hoje, o exemplo sintomático dessa escolha dramática.

Citei restrições e lembro da relação entre liberdade e autonomia. Num ensaio publicado em 2008, Politics, Policy and the Internet, Robert Colvile defendeu a “adaptação do exercício da política, bem como a correspondente elaboração de políticas públicas, ao novo contexto civilizacional”. Seu objetivo era, explicou o professor português Carlos Marques de Almeida (http://www.novacidadania.pt/content/view/295/67/lang,pt_PT/), devolver “ao indivíduo a autonomia e a liberdade para reivindicarem para si as funções antes exercidas pelo Estado”. Não seria má ideia elaborar uma versão brasileira desse texto, muito embora a dificuldade primeira de não haver no país um partido conservador que possa vocalizar tal esforço.

A consequência dessa devolução do poder “associada ao funcionamento dos partidos políticos em receive mode”, sublinhou Almeida, seria “a necessidade de uma maior coerência ideológica na definição de políticas públicas”, que projetaria “uma exigência maior em termos da percepção pública e da coerência intelectual’ dessas políticas”.

Nesse sentido, poderia ser útil aos conservadores brasileiros conhecerem a visão Tory (conservadora britânica) de “conciliação da liberdade individual com as exigências da responsabilidade social, na contemplação dos modos de vida observados e no contexto global de uma livre economia de mercado”. O professor Carlos Marques de Almeida invoca “o espírito de Edmund Burke” para realçar “o exato respeito pela autonomia dos little platoons (indivíduos que agem de modo voluntário e com o propósito de atingirem, em comum, um desígnio valioso e desejado)”.

Para o conservador brasileiro, o debate sobre a liberdade deve ter como pressuposto a sua dimensão endógena dentro da qual as virtudes morais e os aspectos culturais exercem íntima influência e precedem qualquer discussão política e econômica. Porque, do contrário, o preceito será reduzido a um mero corolário da oposição entre uma liberdade específica e a coerção estatal.

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