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A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, tem sua liderança contestada dentro do Partido Conservador após não conseguir a maioria absoluta na eleição parlamentar de quinta-feira passada. (Foto: Adrian Dennis/AFP)
A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, tem sua liderança contestada dentro do Partido Conservador após não conseguir a maioria absoluta na eleição parlamentar de quinta-feira passada. (Foto: Adrian Dennis/AFP)| Foto:

Quem acompanha os meus comentários sobre a política britânica recordará os alertas que fiz diante da decisão de Theresa May de convocar eleições antecipadas. Tratava-se de uma proposta arriscada porque era a troca do certo pelo duvidoso num cenário com tendência à volatilidade em virtude da negociação do Brexit, das decisões de seu próprio governo e da crescente probabilidade de ataques terroristas por muçulmanos dentro do país.

Na eleição da semana passada, o duvidoso, afinal, golpeou seriamente o governo de Theresa May. O partido reduziu a sua participação no Parlamento de 330 para 318 assentos. Sem a maioria necessária de 326 assentos para governar sozinha, na sexta-feira em que escrevo este artigo, a ainda primeira-ministra Theresa May fez o que estava ao seu alcance: reuniu-se com a rainha Elizabeth II para anunciar que formaria novo governo com o apoio do pequeno Partido Unionista Democrático (DUP), da Irlanda do Norte. Os 10 eleitos pelo DUP garantiriam os 328 assentos necessários para a formação da maioria no Parlamento, dois a mais que os 326 necessários. Essa não será, porém, uma relação tão fácil de ser negociada em razão de posições opostas acerca, por exemplo, da união civil entre pessoas do mesmo sexo e do hard Brexit.

Ao fracasso de conseguir eleger a maioria absoluta no Parlamento dá-se o nome de Hung Parliament, algo como “Parlamento protelado” ou “suspenso” até que se encontre a solução política. Significa que o partido que conquistou a maioria dos votos, mas sem atingir a metade mais um dos 650 assentos da Casa, terá de fazer uma coligação de governo com outro(s) partido(s), firmar um acordo de apoio a políticas fundamentais no Parlamento ou fechar uma coligação minoritária. A primeira opção é a que se tenta de imediato porque traz estabilidade ao governo. E é apenas em momentos como este que prestamos atenção aos partidos pequenos.

Em 2010, também houve um Hung Parliament. Ao eleger 306 parlamentares, os Tories precisaram se aliar aos liberais-democratas para conseguir o número necessário de assentos (somaram, juntos, 363). Graças a essa composição é que David Cameron pôde assumir as funções de primeiro-ministro. Na eleição seguinte, em 2015, os Tories conseguiram sozinhos a maioria absoluta, com 361 assentos, e a coligação foi desfeita, com a promessa do LibDem de não mais se aliar ao Partido Conservador.

Perder 12 parlamentares e a maioria absoluta foi uma derrota pessoal de Theresa May, que, além de não vir fazendo um bom governo, está longe de ser consenso dentro do seu partido. Quando os números da votação foram confirmados, alguns de seus adversários Tories voltaram a questionar a sua liderança. O mais contundente – e a fazê-lo publicamente – foi George Osborne, ex-secretário do Tesouro do governo de Cameron que foi rifado assim que ela assumiu o cargo. Hoje trabalhando como editor do jornal London Evening Standard, Osborne publicou quatro edições extras do tabloide no dia do resultado (9 de junho) nas quais atacava impiedosamente a primeira-ministra.

Por razões óbvias e distintas, o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, também foi implacável e pediu a renúncia imediata de Theresa May. Corbyn sabe que esse é o momento crucial para pressioná-la e instigar que outros o façam. Seu objetivo é claro: inviabilizar o novo governo no Parlamento para que ele próprio assuma o poder.

Apesar do que parece, Corbyn não foi o grande vencedor das eleições, nem o Partido Trabalhista obteve um grande resultado. Os Labours sofreram a terceira derrota consecutiva e obtiveram o sexto pior resultado desde as eleições de 1945. Os talvez dois únicos consolos para Corbyn foram, primeiro, o fato de seu partido ter conseguido mais assentos que em 2015, quando Ed Miliband era o líder dos trabalhistas (261 contra 232); e, segundo, não ter sofrido a derrota acachapante que era projetada pelas pesquisas, que até maio indicavam uma vantagem de 18 pontos porcentuais para os Tories. Por isso, a liderança de Corbyn no Partido Trabalhista não está assegurada. A depender do que o governo de Theresa May fizer nesse início de novo mandato, suas ações no comando dos Labours e a derrota nas eleições poderão custar-lhe a demissão.

Se Corbyn e os trabalhistas perderam e os conservadores saíram derrotados por não terem conseguido eleger a maioria absoluta, quem ganhou com os resultados? Do lado dos Labours, o jovem jornalista Owen Jones e o jornal The Guardian, ambos socialistas à moda inglesa e apoiadores do Partido Trabalhista. Jones é, como eu escrevi no texto anterior, inteligente, articulado e hábil na militância. Sua atuação nas redes sociais e suas viagens pelo país mobilizaram, principalmente, o eleitorado jovem, vinculado ou não ao Partido Trabalhista.

O Guardian fez campanha aberta para os candidatos trabalhistas, tentou mostrar virtudes inexistentes em Corbyn e atacou com eficácia o alvo fácil que era Theresa May. Ela e os Tories fizeram uma campanha pífia que foi criticada por muitos conservadores de dentro e de fora do partido. Um deles foi Norman Tebbit, conservador membro da Câmara dos Lordes, que elencou os erros principais e acusou a primeira-ministra de haver abandonado de forma arrogante o thatcherismo, a agenda política e de governo implementada durante o governo de Margaret Thatcher. Também a primeira-ministra não tem a liderança do partido assegurada. E toda essa situação afetará, de alguma maneira, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia.

Do lado dos conservadores, não se pode dizer que venceram, mas que estavam certos sobre a primeira-ministra e sobre os rumos do partido. Em primeiro lugar, a ala interna dos Tories que não morre de amores por Theresa May e a critica abertamente, como o já citado Osborne, ou nos bastidores, como se pôde ver pela quantidade de “fontes do partido” que denunciaram as suas fragilidades na imprensa britânica. Em segundo lugar, conservadores como Peter Hitchens, que há anos expõem em artigos de jornais e entrevistas a debilidade da elite do Partido Conservador desde antes da ascensão de David Cameron, que Hitchens qualificava como “Tory Blairite”, uma espécie de versão conservadora de Tony Blair, ex-primeiro-ministro pelo Partido Trabalhista. Num artigo em 2015 para o Mail on Sunday, Hitchens, inclusive, advertiu os seus leitores para não subestimarem Corbyn num momento em que ele parecia estar com os dias contados na liderança dos Labours.

Conservadores e trabalhistas enfrentam neste momento um drama crucial. Ou promovem ajustes internos para conseguir lidar adequadamente com o mundo e com a sociedade britânica de hoje, ou a degradação em curso personificada nos seus líderes tende a piorar. Os Tories deveriam saber, mais que os trabalhistas, o custo de abandonar seus princípios, valores e práticas políticas que, testadas, foram bem-sucedidas. Ou, na próxima eleição, serão abatidos sem muito esforço – a exemplo das aves nas temporadas de caça na Grã-Bretanha.

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