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Foto: Renan Olaz/CMRJ
Foto: Renan Olaz/CMRJ| Foto:

“Se você quisesse ser gentil, poderia dizer que trabalho com marketing e relações públicas, ou publicidade e estratégias on-line. Mas esse é um verniz educado para esconder a dura verdade. Eu sou, falando claramente, um manipulador de mídia – sou pago para enganar. Meu trabalho é mentir para os meios de comunicação, para que estes mintam para você. Eu trapaceio, suborno e conspiro para marcas bilionárias e escritores best-sellers, abusando do meu conhecimento de internet para tanto.”

Quantos autores são capazes de tamanha sinceridade? Ryan Holiday confessa logo no primeiro parágrafo do seu livro Acredite, estou mentindo – Confissões de um Manipulador das Mídias o que ele fez – e faz. E as suas histórias de manipulação são tantas e tão incríveis que desde que li esse livro, dois anos atrás, desenvolvi um radar interno para desconfiar de toda e qualquer notícia que gera repercussão na grande imprensa e mobilização pelas redes sociais.

Uma das tantas histórias nos dá a ideia do método e da repercussão criada.

Para promover o filme I Hope They Serve Beer in Hell (“Espero que sirvam cerveja no inferno”), baseado no livro do seu amigo escritor Tucker Max, Holiday espalhou pela cidade cartazes de divulgação para depois, escondido na madrugada, vandalizá-los com imagens e dizeres obscenos. Em seguida, tirou fotos de dentro do carro como se fosse alguém que tivesse passado por acaso no local e enviou por e-mail para dois grandes blogs sob nome falso. Deu-se, então, a seguinte troca de mensagens com um dos blogueiros:

“Vi isso ao voltar para casa ontem à noite. Acho que foi na esquina da 3.ª com a Crescent Heights. É bom saber que Los Angeles também odeia Tucker Max.”
“Você não está de sacanagem comigo, está?”
“Não. Acredite, não estou mentindo.”

Era só o começo. Holiday criou anúncios falsos, incitou grupos LGBT e de defesa dos direitos das mulheres a protestar contra o filme nas noites de exibição, criou grupo no Facebook para boicotá-lo, escreveu tuítes e comentários fraudulentos, inventou histórias sobre o amigo, publicou anúncios antifeministas em sites feministas e anúncios antirreligiosos em sites religiosos.

O que aconteceu nas duas semanas seguintes mostra o poder desse tipo de ação realizada praticamente sem orçamento: em todo o país, milhares de estudantes, representantes de organizações e cidadãos revoltados se insurgiram contra o filme e destruíram o material exposto nas ruas, como cartazes e outdoors. A Fox News e o New York Post publicaram reportagens sobre o caso, os jornais Washington Post e Chicago Tribune publicaram editoriais contrários ao filme e a Autoridade de Trânsito de Chicago proibiu a divulgação nos seus ônibus.

Por fim, Holiday publicou um comunicado oficial da assessoria de imprensa do amigo com o título “Tucker Max reage à decisão da autoridade de trânsito de Chicago: ‘foda-se’”. O texto começava da forma mais impactante possível: “Olá, imprensa de merda”.

Há anos, Holiday faz esse tipo de marketing para clientes importantes nos Estados Unidos, desde escritores na lista dos mais vendidos (como Tucker Max) até grandes empresários (como Dov Charney, da American Apparel). O seu trabalho é eficiente porque, segundo ele, quem escreve para a internet (blogueiros e jornalistas) está sempre em busca de histórias que atraiam a maior audiência possível e não está muito preocupado com a veracidade do que publica. “Esse sistema se alimenta do tipo de material que eu produzo”, afirmou Holiday. “Então, como a tempestade que inventei se desenvolveu na imprensa, as pessoas começaram a acreditar nela e a história se tornou verdadeira”.

Eis o ponto: os jornalistas, que deveriam investigar as histórias, acabam se deixando levar por fontes não confiáveis e legitimam as fraudes. Uma vez legitimadas, as mentiras permitem manipular a sociedade, que reage exatamente como Holiday queria.

O mais curioso é que, mesmo sendo manipulador confesso, Holiday jamais mentiu sobre seu nome verdadeiro e sobre o que faz. E mesmo assim ele continua sendo contratado a peso de ouro e aquilo que mostrou no livro serve não apenas de alerta para o que ele e outros fazem, mas como um guia de manipulação eficiente.

Sempre releio trechos desse livro de Holiday diante de cada episódio ocorrido aqui no Brasil que gera notícias na imprensa, comoção e reação nas redes sociais, que estão cada dia mais repletas de notícias falsas (fake news) criadas ou disseminadas pela esquerda e por certa direita não conservadora. Quem as divulga são os manipuladores ou os manipulados. Porque não se preocupam com a origem ou veracidade das informações que compartilham, a maioria o faz sempre que o conteúdo ratifica a sua visão política ou ataque os seus inimigos ideológicos. Para piorar, ao manipular a entrega do conteúdo produzido pelos usuários, o Facebook tem servido como instrumento eficiente desse tipo de ação.

O evento mais recente a merecer ampla cobertura da imprensa e reações diversas nas redes sociais foi o assassinato da vereadora do PSol Marielle Franco no Rio de Janeiro, no dia 14 de março. Como até agora não sabemos quem foi o autor do crime e a sua motivação, a discussão tem se resumido a uma odiosa instrumentalização ideológica empreendida desde o início por partidos e militantes de esquerda e a reação a essa ideologização da morte, além da disseminação de boatos e mentiras.

Como leitor que tem se valido do livro de Ryan Holiday como uma espécie de antídoto contra a fraude intelectual e noticiosa, lendo e ouvindo as reações ao assassinato da vereadora, as perguntas que tenho me feito são: qual é a manipulação? Quais são os seus objetivos? Quem são os manipuladores?

Essas indagações são extremamente úteis para não cairmos na armadilha dos adversários ideológicos e sermos usados como idiotas úteis. Seguir o primeiro impulso nunca é uma boa ideia. Se a direita reage como a esquerda quer, ajuda a narrativa esquerdista – mesmo que não queira. E depois fica perdida no imenso labirinto de acusações, fraudes, mentiras e engodos que os esquerdistas criam e alimentam.

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