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Foto: Barker Evans
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Surpreso? Sim, admito. Surpresa agradável, de fato, pelo inesperado sucesso do artigo da semana passada sobre o psicólogo Jordan Peterson. O texto tinha duas dimensões que convergiam: o talento de Peterson para debater e a importância de saber debater para defender o que se acredita.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos, o debate é estimulado desde cedo nas escolas e universidades. Clubes de debates são instituições nacionais. Estudantes do ensino médio e de faculdades treinam desde cedo. E participam de campeonatos estaduais e nacional. Quando adultos, esses alunos têm um desempenho técnico admirável nas contendas verbais. Um bom filme sobre as competições nos Estados Unidos é O Grande Desafio, com Denzel Washington.

Quando eu estava na Universidade Católica Portuguesa, criei o Clube de Debates Winston Churchill, seguindo o modelo da Oxford Union Society. A ideia era preparar os alunos do Instituto de Estudos Políticos que quisessem desenvolver esse tipo de habilidade.

No Brasil, existe o Instituto Brasileiro de Debates (IBD), que ajuda na criação de Sociedades de Debates que serão geridas por alunos. Existem nove grupos hoje filiados que participam de uma competição anual promovida pelo IBD. No canal do YouTube há vídeos sobre as finais do I, II e IV campeonato nacional.

Não consegui encontrar informações sobre se Peterson fez parte de algum desses clubes quando estudante no Canadá, mas intelectuais e políticos britânicos conhecidos pela destreza nos debates foram membros de agremiações como Oxford Union Society e Cambridge Union Society. Dentre os políticos conservadores contemporâneos que foram membros da Oxford Union figuram David Cameron, Theresa May, Boris Johnson e Jacob Rees-Mogg.

Essas sociedades têm um programa interno de treinamento, promovem debates entre seus membros e orgulham-se de convidar pessoas das mais diversas áreas e posições ideológicas para os seus eventos. Os vídeos com debates e palestras podem ser vistos nos respectivos canais do YouTube, os da Oxford Union aqui, os da Cambridge Union aqui.

Recomendo que vocês vejam quatro, dois de cada instituição (infelizmente, não estão legendados). O primeiro é uma palestra de Roger Scruton, que eu jamais considerei que seria convidado por causa da tendência esquerdista da Oxford Union em vários momentos de sua história. O segundo é um debate com a moção “O socialismo funciona?”. A equipe que defendia a tese de que o socialismo não funciona era de primeira: Theodore Dalrymple, Daniel Hannan (parlamentar conservador e autor do livro Inventing Freedom: How the English-Speaking Peoples Made the Modern World) e Andrew Rosindell (parlamentar conservador). Do lado oposto, a defender que o socialismo funciona, estavam o líder do Partido Trabalhista Jeremy Corbyn (marxista até o último fio da barba), Katy Clark (sua colega de partido) e Ben Sullivan, que na época era presidente da Oxford Union e que no ano seguinte, 2014, foi acusado, preso e depois inocentado de uma acusação de estupro.

O terceiro é um debate na Cambridge Union com participação do jornalista conservador Peter Hitchens (irmão do falecido Christopher Hitchens) e cuja moção foi “Esta Casa acredita que o New Labour arruinou a Grã-Bretanha”. O quarto também é um debate com duas equipes que discutiram a moção “Esta Casa acredita que os Conservadores são injustamente demonizados”. A primeira equipe era formada por três parlamentares conservadores (Jesse Norman, biógrafo de Edmund Burke; Jacob Rees-Mogg e Ben Gummer) e a segunda, por três parlamentares trabalhistas (Emily Thornberry, Chris Bryant e Gerard Tully).

Quando, em 2010, fui para a Universidade de Oxford pesquisar para o mestrado no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, estive na Oxford Union em duas ocasiões. Na primeira, junto com o professor português João Carlos Espada, conheci as instalações. Impressiona, sim, estar num lugar com tanta história, que recebeu tanta gente interessante (e desinteressante) e que foi palco de tantos duelos verbais. Hoje me arrependo de na época não ter me tornado membro temporário para acompanhar os debates semanais, mas as 200 libras exigidas eram uma pequena fortuna para mim, estudante pobre que contava moedas para comer.

No Reino Unido, jovens com vocação política optam por Oxford porque sabem que, se forem bem-sucedidos nos debates do clube, conseguirão fazer os contatos certos e abrir a porta para a política, segundo explicou em entrevista para a BBC o professor Geoffrey Evans, do Nuffield College. A quantidade de políticos de renome (e de outros nem tanto) que por lá passaram é a prova empírica do que disse Evans.

O modelo de debate adotado pela Oxford Union prepara os aspirantes para as futuras contendas no Parlamento inglês. Se você, como eu, adora os debates nas Houses of Parliament, saiba que a atuação dos protagonistas é o resultado de treinamento e técnica, mesmo por parte daqueles que não fizeram parte dos clubes de debate quando estudantes.

Nem todos os grandes debatedores foram, porém, membros da Oxford Union nem da Cambridge Union. Margaret Thatcher, que estudou em Oxford, preferiu entrar para o University Conservative Club. Políticos que nem foram à universidade, como Winston Churchill e Nigel Farage, lapidaram com esforço um talento visivelmente nato.

A Oxford Union sempre se caracterizou pelas moções provocadoras que serviam de mote para as discussões. Uma das mais famosas foi debatida no dia 9 de fevereiro de 1933, dez dias depois de Adolf Hitler assumir o poder na Alemanha como chanceler. Assim dizia: “Esta Casa não irá em nenhuma hipótese lutar por seu Rei e por seu País”.

A equipe que defendeu a moção era liderada por Cyril Edwin Mitchinson Joad, que mais tarde tornou-se um filósofo conhecido na Inglaterra, mas que antes disso havia feito parte da Sociedade Fabiana até ser expulso por “comportamento sexual inadequado” durante um curso de verão organizado pela entidade. Ele dizia-se profundamente influenciado pelos escritores George Bernard Shaw e H. G. Wells, dois fundadores do fabianismo na Inglaterra, mas era crítico severo do marxismo. Curiosamente, definia-se como “o Mencken da Inglaterra”. H. L. Mencken foi um dos mais importantes intelectuais americanos na primeira metade do século XX. Seus artigos jornalísticos eram ácidos e satíricos; seu trabalho como filólogo, até hoje respeitado.

O líder da segunda equipe era Quintin Hogg, que depois tornou-se grande nome do Partido Conservador, intelectual influente e autor da preciosidade que é The Case for Conservatism, um dos livros que sempre recomendo para quem deseja conhecer o conservadorismo britânico. Membro do Parlamento e, depois, da Câmara dos Lordes, exerceu vários cargos importantes em governos conservadores. Era reconhecido como um dos grandes oradores do conservadorismo britânico. Recebeu em vida os títulos de visconde, lorde e barão.

A equipe que defendeu a moção foi vitoriosa por 213 votos contra 138. Jad venceu Hogg. Mas o que deveria ser apenas o resultado de um debate, em virtude do espírito da época, converteu-se numa discussão nacional e internacional. Jornais importantes abriam manchetes, políticos reagiam furibundos, a elite britânica discutia suas implicações. Num discurso proferido oito dias depois do debate, Winston Churchill reagiu com a delicadeza que lhe era peculiar quando provocado. Definiu a posição vencedora como “abjeta, sórdida, vergonhosa”. Três semanas depois do debate, o pai de Winston, Randolph Churchill, que era membro da Oxford Union, propôs uma votação para apagar o debate dos registros da entidade. Depois de intensas discussões, sua proposta perdeu na votação por 750 contra 138. Randolph teve de sair escoltado do lugar.

O debate até hoje é fonte de controvérsias e alguns de seus participantes disseram que a moção escolhida refletia um sentimento da época, afetado pelas memórias recentes da Primeira Guerra e de alguns conflitos nos quais o Império Britânico se envolveu. O elemento mais importante, porém, deve ser considerado: muito embora seja preciso levar em conta uma posição pacifista prévia por parte dos membros que apoiaram a moção, os estudantes só votaram “sim” à proposição porque a equipe que a defendeu foi melhor no debate contra a equipe que representava a posição contrária. Talvez tenha sido menos uma declaração de princípios do que uma escolha pelos melhores debatedores.

Clubes de debates servem para isso: treinar o interessado para também defender posições que ele rejeitaria. Se se consegue vencer uma disputa ao sustentar uma afirmação da qual se discorda previamente, não é difícil imaginar como seria ao apoiar uma posição que se respeita. Mesmo os que jamais participaram – nem participarão – de um clube do tipo devem treinar por conta própria se quiserem vencer o debate tendo razão. Querem um ótimo exemplo aqui no Brasil? Meu amigo Bene Barbosa, do Movimento Viva Brasil. Em vez de clube de debate, boas ideias, treino na prática e clube de tiro.

No seu artigo “O que William Buckley poderia ter aprendido com Jordan Peterson”, Alexandre Borges diz com razão que o documentário “Best of Enemies serve como aviso para quem quiser entrar no mundo dos debates políticos: se você acha que o que está em disputa é apenas quem tem razão e quem oferece as melhores idéias, você já perdeu”. De acordo.

Eis, portanto, um grande e bem-vindo desafio para nós, conservadores brasilianos: não basta somente ter as melhores ideias e a mais correta visão de mundo, é preciso aprender a expô-las e debatê-las.

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