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Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo
Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo| Foto:

Virou lugar-comum acusar os algoritmos das redes sociais de criarem uma bolha enviesada responsável por encarcerar num mesmo espaço pessoas com afinidades comuns, algo que confirmaria preconceitos e posições políticas e ideológicas sem colocá-los em confronto com outras perspectivas. É, de fato, uma constatação do que acontece. Mas não se trata de nada novo, porém. Na vida social é o que fazemos: cercamo-nos de, e frequentamos, pessoas com visões e ética familiares. E tentamos nos afastar de pessoas e ideias que rejeitamos.

Isso ocorre também entre leitores, que buscam livros de ficção e de não ficção que se coadunam com suas preferências literárias e políticas. Matéria recente da revista The Economist confirmou exatamente o segundo ponto: nos Estados Unidos, conservadores e esquerdistas ignoram-se mutuamente porque só leem livros de autores de seus respectivos espectros políticos.

Tal constatação é, porém, um problema em si mesmo? Não se levarmos em consideração que o levantamento mostra o perfil de um universo amplo de leitores que compram no site da Amazon e cujo interesse nem sempre é a busca pela verdade, mas a confirmação ou aprimoramento daquilo que eles já pensam e em que acreditam.

A conclusão da pesquisa só seria grave se o universo de leitores fosse formado exclusivamente por intelectuais, aqueles que deveriam orientar as suas vidas para buscar o conhecimento e a verdade (aqui refiro-me, claro, ao intelectual como tipo ideal). E ambos, conhecimento e verdade, exigem não só estudar temas e posições políticas que mais se aproximam das preferências pessoais, mas também obras e autores que confrontem essas posições. Por quê? Porque é a partir dessa confrontação que o conhecimento é obtido e lapidado – e assim o intelectual aproxima-se da verdade.

Esse é, aliás, um aspecto primordial que deve servir de aviso aos conservadores brasileiros: acima das posições políticas, econômicas e sociais está sempre a verdade, que pode, eventualmente, colocar tais posições em causa. Quando isso acontece, o que fazer? Ignorar a realidade para manter e afirmar uma suposta opinião conservadora? Isso é o oposto do conservadorismo.

Um conservador aprende com tudo aquilo que desconhece e passa a conhecer; aprende com erros que ignorava; aprende quando lida com suas próprias limitações circunstanciais, o que significa que poderá (e deverá) retificar opiniões antes assumidas porque está em busca da verdade. É a soma da vivência no presente com a experiência do passado, entendida como valiosa conselheira, que permitirá ao conservador reavaliar o seu pensamento e as suas ações de forma a lidar de forma mais adequada com os desafios que diante dele se apresentam.

Posto que a natureza do conservadorismo é ser antidogmático e rejeitar o racionalismo na política, e aqui uso a concepção de Michael Oakeshott, todos os elementos que hoje compõem o pensamento conservador não podem ser vistos nem aplicados como mandamentos, dogmas, apenas como orientações e, talvez, prescrições de como lidar com situações concretas em circunstâncias específicas.

Porque o conservadorismo não tem um grande projeto de sociedade nem vê o ser humano como objeto de experimentação psicológica e social, o conservador parte da realidade do presente e da experiência humana do passado, aglutinada pela tradição ou tradições, para organizar as suas ideias e guiar a sua conduta nos planos social, político e econômico.

Episódios como o do Queermuseu e o do MAM são exemplos interessantes. É natural que as pessoas reajam favorável ou contrariamente a ambos os eventos. Um intelectual conservador, porém, em vez de se deixar guiar pela irracionalidade contagiante, deve ser ele o responsável por qualificar a análise e, portanto, o debate. Isso impõe identificar de forma clara se, nos casos citados, existiu realmente ou não um incentivo à pedofilia, não meramente reproduzir a indignação de seus leitores ou companheiros de luta com base em suposições que nem sequer atendem a definição médica e legal da palavra. E, se não existiu, identificar e expor o que está em causa, como, por exemplo, a tentativa de mudança de mentalidade a partir da deformação da imaginação moral, como fiz em artigo recente.

É muito fácil deixar-se levar pela indignação e alimentar a turba com opiniões apressadas e equivocadas. O trabalho mais árduo precisa ser feito, contudo – e ser feito urgentemente pelos intelectuais conservadores ou aspirantes a tal. Primeiro, para que a posição conservadora seja inserida no debate e passe a ter o respeito e a influência que merece dentro da sociedade. Segundo, para que o conservadorismo não seja confundido com tudo aquilo que ele não é e que não seja usado por pessoas – e até mesmo intelectuais – que se julgam conservadores por serem tão somente antipetistas, anticomunistas, antiestablishment. Nenhum desses elementos tomados isoladamente e em seu conjunto tornam, por si só, alguém conservador. Você pode simplesmente ser antipetista, anticomunista ou antiestablishment e não ser conservador, definição que será abordada em artigo futuro.

Nem tampouco é correto qualificar como conservador somente o intelectual ou alguém interessado apenas porque leu ou estudou as obras de autores conservadores. É um equívoco reduzir o conservador à sua versão intelectualizada. Porque há no Brasil um conservadorismo popular – expressão que tomo de empréstimo de Irving Kristol ao qualificar o conservador americano médio – que não é intelectualizado, mas que traz consigo, se não todos, pelo menos os principais elementos transcendentes e imanentes que constituem o conservadorismo (outro tema para artigo futuro). Pode ser, pode ser que o vendedor de picolé seja conservador, mas não aquele seu comentarista ou youtuber predileto. O intelectual conservador, por essa razão, jamais deve dar as costas à sociedade, ao brasileiro comum, e à realidade à sua volta sob pena de descolar-se do mundo real e virar pensador de gabinete, ou seja, de tornar-se o contrário de conservador.

Muito do que vemos se passar por opinião conservadora, como expressão do conservadorismo brasileiro, é mais uma tentativa de autoafirmação imagética e ideológica fundamentada, quando muito, numa colcha de retalhos de autores conservadores estrangeiros ou tidos como tais (e que às vezes nem são) cujas ideias podem, inclusive, ser conflitantes entre si.

Isso acontece porque só recentemente as ideias conservadoras de autores estrangeiros ganharam projeção no Brasil. É natural, portanto, que neste momento inicial haja uma confusão na identificação, no reconhecimento, na assimilação e na própria formação e formulação de uma opinião conservadora brasileira. Por isso é tão imperioso e urgente, agora, a atuação pedagógica e pública dos intelectuais conservadores. Principalmente, para mostrar o que é o conservadorismo e o que o conservadorismo não é.

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