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Universidade de Bolonha, considerada a mais antiga da Europa. Foto: sailko/WikimediaCommons
Universidade de Bolonha, considerada a mais antiga da Europa. Foto: sailko/WikimediaCommons| Foto:

“A Universidade deixou de respeitar-se a si mesma”. Ideal para um epitáfio, a frase sentenciava o estado da instituição na Espanha de 1939. Seu autor, o escritor espanhol Javíer Marias, descrevia o fado do ambiente universitário espanhol como corolário da transformação da Universidade alemã a partir da ascensão do nazismo. “Desde 1933, o nacional-socialismo triunfante fez o que quis com a esplêndida Universidade alemã, e esta não reagiu ou foi de encontro ao Poder abusivo, revelando assim que no fundo não era tão esplêndida quanto havia parecido, quanto havia sido efetivamente durante muito tempo”.

Num artigo publicado no Suplemento de Cultura do Estadão no dia 21 de fevereiro de 1982, Marias criticava a adesão de professores universitários ao grupo de intelectuais do partido que empreendeu “a operação de manipular a Universidade, de convertê-la num instrumento de domínio e servidão, de difusão de ‘teorias’ grotescas, envoltas no prestígio difuso da ‘ciência’”.

Duas decisões promoveram o “desmantelamento intelectual da Universidade alemã” e liquidou “tudo o que lhe restava de prestígio” e  justificava a sua existência: 1) a eliminação ou perseguição de professores judeus, casados com judias e de docentes cristãos ou liberais; 2) a imposição da ideologia nazista. “Todo o resto veio em cadeia”, lamentou Marias.

Na Espanha do escritor, o ambiente totalitário europeu e a guerra civil no país resultaram em controle estatal direto e expurgos nas universidades. O fim do conflito doméstico em 1939 não melhorou a situação. Pelo contrário, “consumou-se a mais absoluta falta de respeito pela Universidade: destituições, depurações que deixavam em condição de precariedade os sobreviventes; nomeações políticas, supressão de toda a liberdade de cátedra, eliminação de tudo o que havia sido criador no pensamento espanhol desde o começo do século”.

A traição dos intelectuais consumou-se no adesismo. “Tudo isso — com mínimas exceções individuais — foi aceito, tolerado ou exaltado pelos próprios universitários”, lamentou Marias, para quem a politização cada vez maior no seio das universidades europeias foi uma das tantas consequências negativas do totalitarismo vigente no continente em parte dos anos 1930 e 1940.

Foi o texto do escritor Flávio Gordon no jornal O Globo da semana passada que me trouxe à memória o artigo do escritor espanhol. Gordon reagiu a um panfleto sem pé nem cabeça de dois professores da Universidade Federal Fluminense que reclamavam (não riam) da ação de “grupos de direita e extrema-direita” que pretendiam “transformar a universidade em um lugar permeado por dogmas, preconceitos e ideias pasteurizadas”.

Ao expor com exemplos concretos ocorridos em universidades de várias partes do país, Gordon mostrou que a acusação era mera estratégia para atacar as vítimas cujos agressores eram, na verdade, “membros de partidos e movimentos de extrema-esquerda, exitosos, eles sim, em transformar a universidade em um lugar permeado por dogmas, preconceitos e fanatismo político”.

Reações como a dos professores da UFF vêm crescendo em razão do temor de perderem o poder que têm nas instituições de ensino superior, estatais e privadas. O medo é justificável. Uma parcela da sociedade, observa Gordon e eu concordo, descobriu o ovo da serpente e tem demonstrado seu inconformismo ao ser obrigada a pagar mensalidades caras ou a financiar com os seus impostos “instituições que, de espaço para o livre debate de ideias, converteram-se em centros de formação de radicais de esquerda”.

Um complemento importante ao artigo do Gordon veio em forma de breve comentário no Twitter feito pelo doutor em Filosofia e professor, Gabriel Ferreira. Para que o debate não se encerre na necessária exposição crítica do estado de coisas, ele propôs com razão que “só há um jeito de solucionar o problema”: ocupar de forma qualificada os espaços nas universidades.

Mas pôr fim ao domínio da esquerda nas universidades passa pelo ingresso de professores intelectualmente preparados para lecionar, realizar pesquisas a sério nos vários campos de atuação – e não apenas no âmbito das humanidades – e dirigir/coordenar os departamentos. O ambiente universitário brasileiro precisa de mais e mais docentes qualificados em suas respectivas áreas que não tenham um projeto ideológico como sentido da vida. Os que já existem necessitam de pares com quem trabalhar e dialogar.

E aqui reside um ponto primordial: deve-se esvaziar o poder da esquerda nas universidades para devolver à instituição o espírito que deveria orientá-la: “a consagração do Conhecimento”, nas palavras de Charles Homer Haskins no livro A Ascensão das Universidade (Livraria Danúbio Editora, 2015, p. 18).

Perverter essa tarefa com um projeto político significará tão somente trocar a esquerda por outra ideologia sem que isso resulte, necessariamente, num avanço intelectual, moral, ético e espiritual, elementos que nortearam no século XI as escolas catedrais, que, segundo Cristopher Dawson em Criação do Ocidente (É Realizações, 2016, p. 224), deram origem às universidades da Europa.

Tive a benção de encontrar essa “consagração do Conhecimento” no Instituto de Estudos Políticos (IEP) da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Para lá fui em 2007 fazer o mestrado sem bolsa de estudos e com uma modestíssima poupança de alguns anos de trabalho mal remunerado. Recomecei do zero a minha vida profissional, enfrentei sérias dificuldades financeiras durante e depois do curso. Investi tudo o que eu tinha nesse sonho e não me arrependo. Hoje sou aluno de doutorado e pesquisador do Centro de Investigação do IEP.

Por vocação e sentido de dever, comecei a colaborar com o desafio proposto pelo professor Gabriel Ferreira. Quem tiver interesse e compartilhar a responsabilidade, sugiro que dê o seu melhor. A universidade não precisa de ideólogos. Precisa daqueles que buscam o conhecimento e amam a verdade.

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