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Bruno Covello/Gazeta do Povo

A marcha em Curitiba, quase sem adesões.

Felizmente, as marchas em favor da volta do Brasil a uma ditadura foram malfadadas. Nem mil pessoas, num país de 200 milhões, tiveram ânimo para ir às ruas pedir o retorno dos militares à Presidência. Virou lugar comum dizer que não há mais clima para quarteladas. E faz sentido: não há mais guerra fria, o comunismo afundou, não estamos à beira de nenhum precipício. No curto prazo, parece, estamos a salvo de uma nova “Redentora”. Mas não quer dizer que possamos descuidar.

Embora a ditadura hoje não empolgue muitos, o ódio aos políticos move multidões. Não há quem não ouça, dia após dia, que os detentores de cargos públicos só pensam neles mesmos, que são uns patifes tentando usar nosso dinheiro em proveito próprio e dos seus. Que não valem um tostão furado. Que só aparecem em época de campanha. Ou, em crítica um pouco mais sofisticada, que nosso modelo de presidencialismo de coalizão e de múltiplos partidos nos fadou a um período de tramoias e maquinações em busca de cargos.

A crítica não é sem razão. O noticiário está aí todos os dias mostrando desmandos da turma de Brasília e dos estados. E num país com tantos cargos, sempre haverá um Delúbio ou um Bibinho para ser descoberto com a mão no jarro. E a cada vez nos decepcionamos mais. E a cada vez os políticos ficam mais desacreditados. E com o tempo começa a vir a ideia de entregar o poder a alguém que não seja político.

Em 1974, à beira de assumir a Presidência da República, Ernesto Geisel teve uma conversa com seu futuro ministro do Exército, Dale Coutinho, em que falava sobre o assunto. A história é relatada por Elio Gaspari, em seu “A ditadura derrotada”. Na época, os próprios militares começavam a ver que sem política a coisa não ia.

“Todos nós, de um modo geral, temos uma repulsa ao político, mas o político é necessário. Não vou dar aos políticos o que eles querem, não vou, não vou me mancomunar com eles, mas vou vier com eles, eu tenho que viver com eles. Porque senão como é? Nós vamos, nós temos a outra alternativa, que é ir para uma ditadura. Então vamos fechar esse troço, vamos fechar Congresso, vamos fechar tudo isso e vamos para uma ditadura, que é uma solução muito pior.”

Curioso que Geisel pensava não estar em uma ditadura. E prossegue.

“Tanto o governo do costa e Silva como o do Medici de certa maneira escorraçaram os políticos, como sendo uma lepra. Eu posso escorraçar os políticos se eu resolver não ter mais política. Mas isso não é mais possível”.

No Brasil atual, os políticos também têm sido vistos como “uma lepra”, mas pela população. O surto de empolgação com Joaquim Barbosa, um homem de fora da política e com forte viés autoritário, mostra o tipo de líder que muita gente quer para o país. Alguém que, como diz Geisel, não “se mancomune” com esse pessoal.

O risco, para o futuro, está em os políticos continuarem a dar corda para que se tornem leprosos. A cada vez que se descobrir um novo escândalo, estarão dando trela para que fale em novas marchas ou em soluções esquisitas e não democráticas. Uma reforma que garanta melhores costumes em Brasília não seria salutar para nossos cofres: seria necessária para garantir a segurança de nossa democracia.

Portanto, a cada vez que um político negar informações à imprensa, for pouco transparente, fizer vistas grossas à corrupção ou continuar dando empregos para seus parentes ao invés de escolher os mais aptos para o cargo, estará, aos poucos, fomentando as maluquices que os organizadores das fracassadas marchas tentaram nos impor.

Dessa vez, escapamos.

 

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