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Vai aí a segunda parte da entrevista com Comte-Sponville sobre o capitalismo.

De todas as “liberdades” do capitalismo, a liberdade de acumulação é a mais criticada pela esquerda. A crítica é de que, se você pode ter tudo o que conseguir, e só o que conseguir, sempre há quem não consiga nada…

Sim!, o capitalismo é um sistema onde se pode enriquecer! É preciso lamentar isso? Não estou certo. Porque enfim, criar a riqueza é a única maneira de fazer recuar a pobreza. O capitalismo é desigual? É verdade. Mas ele é formidavelmente eficaz, e, em um país governado corretamente, mesmo os pobres acabam por tirar proveito disso. Compare o destino da classe operária em 1850, em 1900, em 1950 e hoje. Você verá que, na maior parte dos países, os progressos são consideráveis e, nesta escala de tempo, quase contínuos! Contrariamente àquilo em que frequentemente acreditamos, os ricos não precisam empobrecer os pobres. Ao contrário: quanto mais a pobreza recua, mais o comércio avança, e isso é bom para os ricos! O que me faz pensar no que me dizia um dia um amigo judeu: “Vocês, góis, são bizarros! Vocês creem que o problema é a riqueza. Mas nós, judeus, compreendemos há muito tempo que o problema não é a riqueza, é a pobreza!” No fundo, até que estou de acordo. Alguns, à esquerda, dão a impressão de que não ficarão contentes enquanto ainda haja ricos. Mas todo mundo ficar pobre, seria realmente um progresso? Uma política de esquerda eficaz, do meu ponto de vista, não é aquela que diminui a riqueza, é a que faz recuar a pobreza.

Em outro livro (Bom Dia, Angústia!), o senhor escreveu que nós pensamos no mandamento de Jesus de não termos dinheiro apenas como uma metáfora porque preferimos (ou precisamos) pensar deste jeito. Na sua opinião, a riqueza pessoal é “imoral”?

A questão moral não trata do dinheiro que ganhamos (ter um salário bastante grande não é um defeito), mas do que fazemos com o dinheiro ganho. E quanto a isso, a resposta dos evangelhos é clara: tudo que não damos está perdido e nos perde. O que é imoral não é a riqueza, é o egoísmo. Isso coloca duas questões. A primeira concerne à moral: um rico que não fosse egoísta poderia permanecer rico por muito tempo? A segunda concerne à antropologia: um ser humano que não fosse egoísta seria um ser humano?

A crise financeira do Ocidente mudou algo na maneira como vemos o capitalismo? Mudou a maneira como as coisas são conduzidas?

Muitos economistas me disseram, nesses últimos meses, que meu livro, publicado em 2004, portanto muito antes da crise, era “premonitório”. Isso sem dúvida é um exagero, mas sugere que minhas análises foram mais confirmadas que desmentidas pela crise. Esta crise de fato nos lembra que o capitalismo é amoral, que ele é incapaz de se auto-regular de uma maneira social e moralmente aceitável, enfim, que a moral é também incapaz de regulá-lo. Conclusão: só o direito e a política podem regular eficientemente o capitalismo, submetendo-o a um certo número de coerções externas, o que volta a impor aos mercados um certo número de limites não comerciais “non marchand”: “serviço ou produto” cujo preço não depende do mercado (ex.: serviço público, doméstico)… talvez a melhor equivalência fosse “sem lucro e não lucrativo”, para “non marchande et non marchandables”. Há talvez, no economês, alguma expressão para algo que não possua, digamos, “mais valia”, como o serviço doméstico? e não comerciáveis. É o que os economistas chamam hoje de “o retorno dos Estados”, e é uma boa notícia. Falta encontrar regulações eficazes em uma economia mundializada: isso passa por uma política de escala mundial. É o que se busca no G20, na OMC, no FMI, ou recentemente em Copenhague. Cada um percebe as dificuldades desse processo, que são consideráveis, mas percebe também que não há outra via.

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