Crises econômicas e políticas são para o extremismo o que a água parada é para a dengue. Nos dois casos, o perigo cresce com o tempo. Se a crise é rápida, é como se você trocasse a água do pote. Se demora, só vai aumentando os riscos.
Na crise brasileira atual, parecia haver dois atores de início: o petismo e a oposição parlamentar de centro-direita. O PT, se algum dia foi mais extremado (em 1989?), hoje é uma esquerda domesticada. O PSDB é seu equivalente do outro lado da fronteira.
Em tempos normais, os radicais tendem a ser poucos no Congresso e têm dificuldade para ser ouvidos. Há um Bolsonaro aqui e ali, mas em geral as opiniões convergem para o centro, para o espectro democrático. Claro que há quem ache isso um tédio.
Quanto mais estável a democracia, quanto melhor vai a democracia, menor a chance de um maluco aparecer com um projeto totalmente fora da casinha. Hitler só surgiu por causa de uma guerra e de uma depressão econômica severa. Um doido ao estilo Trump está tendo seu momento de glória graças à crise econômica que se arrasta desde 2008. Na França, a recessão e a imigração ameaçam dar chance à ultradireita de Marine Le Pen.
Desde que a história do impeachment começou a ganhar corpo no Brasil, os extremistas começaram a sair da toca. No Parlamento, Bolsonaro começou a ser ouvido como alguém que faz sentido. Em turnê pelo país, lançou-se como candidato à Presidência e foi recebido por entusiasmada multidão em Curitiba.
Fora do Parlamento, as coisas vão refletindo isso e chegam mais longe. Na semana, tivemos bomba na rampa do Planalto; dois ataques sucessivos à CUT; ameaça de incêndio na sede do PT; colunistas incentivando o boicote a artistas que votam no PT; o sucessor da casa imperial aparecendo do nada para dar seu recado; gente ameaçada de violência física porque vestia roupa vermelha etc.
As redes sociais se tornaram intransitáveis, com xingamentos gratuitos e agressões a todo momento. Sites picaretas que mentem descaradamente sobre o fatos são citados como fonte e qualquer posição mais moderada é vista com maus olhos. Exige-se a radicalização.
Quem pensa diferente passa a ser visto como inimigo. E soluções que normalmente não seriam aventadas aparecem como se nada fossem, misturadas à conversa política normal. Fala-se em exterminar partidos, em prender aqueles de quem não se gosta, em apoio a medidas judiciais que extrapolem a lei e em acobertar erros do Judiciário – e quem não concorda tem decretada a pena de lesa-pátria.
Muita gente quer impeachment por vias legais – e é chamada de golpista. Muita gente é golpista de fato – e carregam, alguns, orgulhosamente cartazes nas manifestações pedindo a intervenção dos militares.
Os moderados sentem-se acuados. Como se precisassem ter vergonha de ouvir os dois lados com atenção e de ouvi-los a fundo antes de tomar posições. Ter dúvidas (o símbolo máximo do exercício intelectual) vira símbolo de fraqueza. E ver razão em argumentos de ambas as partes é declaração certa de traição.
Um amigo lembrou dia desses que Albert Camus afirmou que gostaria de fazer parte apenas de um partido que fosse capaz de dizer “não sei”. O petismo perdeu essa capacidade há muito tempo. A oposição, igualmente. Curiosamente, são esse partido e essa oposição que representam, ainda, o centro da nossa democracia. Os extremistas são os outros – e imaginem como soam.
A moderação é artigo em falta em nossa democracia. E fará muita falta nos próximos tempos.
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