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Demissão em massa na Sinfônica: uma tragédia cultural no Paraná
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O blog publica abaixo artigo da violinista Bettina Jucksch, demitida recentemente da Orquestra Sinfônica do Paraná:

É com grande pesar que faço uso deste meio para dar esclarecimentos sobre a tragédia que se abateu sobre a Orquestra Sinfônica do Paraná.

No dia 4 de julho de 2016, os cargos de 26 músicos, todos ocupados a partir de 1998, foram declarados inconstitucionais pelo TJP. Embora soluções legais já fossem buscadas por músicos da OSP muito antes do fatídico dia, cada alternativa apresentada foi sendo, uma a uma, descartada pela má vontade dos corpos institucionais. Em vista disso, esses músicos foram sumariamente demitidos, isto é, sem absolutamente nenhum direito trabalhista.

Teve início, então, uma luta desses músicos para reverter essa situação, que envolveu incontáveis contatos com a direção do Teatro Guaíra, com o maestro titular, com a Secretaria de Cultura e com diversos setores da esfera governamental, e isto para evitar que acontecesse algo que nunca aconteceu no Brasil: que parte de uma orquestra fosse excluída meramente por motivos burocráticos, portanto, nem por motivos artísticos, nem financeiros.

Saliento que, nesse grupo de músicos, muitos tinham excelente formação, vários deles no exterior, e também que muitos eram membros da OSP há perto de duas décadas, tendo portanto consagrado a orquestra juntamente com os demais músicos.

Durante essa luta, apesar de tantos alertas da classe política e jurídica em sentido contrário, a direção do Teatro Guaíra, em aliança com a Secretaria de Cultura, foram anunciando o que chamavam de “solução para o nosso caso”: um processo seletivo aberto nacional e internacionalmente. O salário, que em todos esses anos já foi bem inferior ao dos demais músicos (funcionários estatutários), seria, agora, reduzido ainda quase pela metade.

Leia mais: Sinfônica estreia em nova formação e Beto Richa escapa de matar a orquestra do pai

Por quê?

Não fizemos o nosso trabalho a contento nesses quase 20 anos para merecer tal castigo?

Quero mencionar dois exemplos para que fique mais claro:

Maria Alice Brandão, violoncelista formada na Alemanha, de carreira inquestionável, grande professora formadora de várias gerações de alunos em todo o país, e que já se projetaram ao exterior. Ocupava a posição de chefe do naipe dos violoncelos da OSP.

André Ehrlich, clarinetista fundador da OSP, interrompeu o seu contrato para 11 anos de estudo na Alemanha, e então voltou à OSP para ocupar por 19 anos a posição de clarinetista solista.

Mas as provas foram marcadas, e, embora adiadas por interferência da OMB, realizadas. Diante das condições absolutamente desfavoráveis, menos da metade dos músicos demitidos resolveram fazê-las, pois, ao contrário dos procedimentos adotados tradicionalmente em processos seletivos por motivos contratuais em todo o Brasil, não houve prova de títulos, e nenhum tipo de valorização do tempo de casa. Em suma, décadas de trabalho de excelência, reconhecido pelo público paranaense, foram totalmente ignoradas.

Havia centenas de candidatos inscritos, e somente três dos músicos demitidos foram aprovados.

Sob quais critérios?

O maestro titular da OSP – ele próprio instrumentista de orquestra em seu país de origem – não soube enxergar, em meio à complexidade da conjuntura , que alguns minutos de prova jamais refletem o desempenho de um músico experiente. Um lampejo efêmero de tempo que, mesmo quando imperturbado pelas circunstâncias adversas, não permite revelar as qualidades fundamentais que se exige de um bom músico de orquestra. Outros questionamentos poderiam ser feitos, diante da disparidade gritante das notas de resultado.

Aqui eu gostaria de traçar um paralelo com a prova informal para cantores realizada em março de 2016, no Teatro Guaíra, pelo mesmo avaliador. Apresentou-se ali o grande barítono austríaco Norbert Steidl, que reside em Curitiba. Foi considerado, pelo avaliador, inadequado para integrar o elenco da ópera prevista. Por sorte, após a insistência de colegas a seu favor, ele finalmente foi escalado. Na ópera, foi ovacionado por um desempenho julgado espetacular.

Volto à pergunta: sob quais critérios?

Já nós, os músicos demitidos da OSP, não tivemos a mesma sorte: a reação dos demais músicos não atingidos por essa barbárie, foi de um silêncio impressionante.

Comparando, agora, com modos de contratação em orquestras a nível nacional, não há notícias de nada semelhante ao que foi feito no Estado do Paraná. Pois não faz nenhum sentido musical, nem moral, em qualquer lugar onde se busca a excelência, submeter músicos com mais de vinte anos de experiência tocando em uma orquestra a um teste seletivo externo, muito menos adotando o mesmo critério de seleção que para novos integrantes.

Mas foi esse desastre, esse descarte absurdo, que foi feito pela atual gestão do Teatro Guaíra em conjunto com a Secretaria de Cultura, demonstrando completa incompetência e má fé.

Levantemos a hipótese de um erro desses ter sido cometido com o grande artista plástico paranaense Poty. Lamentaríamos, simplesmente, que o contrato dele era ilegal, e o colocaríamos na rua? E o colocaríamos juntamente com centenas de outros em uma sala, para demonstrar que sabia desenhar?

Deixo esta dúvida na consciência dos gestores culturais do Estado do Paraná, pois na história ela já está escrita.

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Bettina Jucksch é violinista nascida em Curitiba, formada pelo Konservatorium für Musik Bern, na Suíça. Foi demitida depois de 20 anos de trabalho na Orquestra Sinfônica do Paraná.

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