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Devolver dinheiro não basta; é preciso reduzir o orçamento do Legislativo
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Artigo do repórter Chico Marés:

O vereador Valdemir Soares (PRB) apresentou um requerimento solicitando que as verbas do Fundo Especial da Câmara Municipal (FEC), cerca de R$ 41 milhões, sejam usadas para resolver os pepinos da saúde e do transporte coletivo. A ideia é ótima – não tem como negar que Curitiba tem problemas demais para se preocupar com a construção de um prédio novo para os vereadores. Ainda assim, ela só resolve uma parte do problema.

Conheço bem os prédios da Câmara. Não é um absurdo que os vereadores pensem em construir uma nova sede. Os gabinetes e as salas são apertados, quentes demais no verão, frios demais no inverno. Há problemas constantes de goteira, alagamentos no estacionamento sempre que chove. E os vereadores e servidores têm o direito a trabalhar em um espaço físico digno, tanto quanto qualquer um.

Entretanto, acho até desnecessário dizer que gastar R$ 41 milhões com um novo prédio enquanto a prefeitura enfrenta greve na saúde por causa de R$ 1,5 milhão, e enfrentou uma greve de ônibus por causa de R$ 5 milhões, é uma total irresponsabilidade. É uma questão de prioridades.

Agora, o real problema é o descompasso entre o quanto é repassado pela prefeitura à Câmara – e pelo governo do estado à Assembleia – e o quanto esses órgãos realmente custam. Isso sem falar no quanto eles realmente deveriam custar, mas aí já é assunto para outro momento.

Funciona mais ou menos assim: todo ano, a prefeitura e o governo destinam uma porcentagem de sua receita corrente líquida para o custeio da Câmara e da Assembleia. A partir do momento que o orçamento é aprovado, esse dinheiro tem que, necessariamente, ser repassado ao Legislativo, em duodécimos (a cada mês, é repassado 1/12 do valor orçado).

Nas últimas gestões, de Valdir Rossoni (PSDB) na Assembleia e de João do Suco (PSDB) e Paulo Salamuni (PV) na Câmara, houve uma redução significativa nos custos do Legislativo – na esteira de escândalos de corrupção que abalaram as duas Casas, frise-se. E isso é ótimo, claro.

O problema é que o orçamento continuou na mesma proporção – aliás, após uma ação desastrada do governo Pessuti de incluir o FPE no cálculo da receita líquida, na Assembleia a proporção aumentou. E, por ser obrigatório, o Executivo tem que continuar repassando o que está orçado. Logo, há sobras de recursos, que acabam sendo usados ou para autopromoção (os “checões” de Rossoni na Assembleia), ou para a construção de estruturas de necessidade questionável (o tal do prédio novo da Câmara).

No primeiro ano que eliminaram gastos desnecessários, os presidentes da Câmara e da Assembleia teriam o “direito” de falar que fizeram economia – e até de tirar proveito político da situação. Agora, nos anos seguintes, os repasses excessivos deixaram de ser economia e viraram falha de planejamento – por parte do Executivo, que elabora o orçamento, e do Legislativo, que vota. Se não há mais estruturas que exijam toda essa quantidade de recursos, tem que se reduzir a verba.

No caso da Assembleia, o dinheiro voltou para os cofres do estado, de qualquer forma. É verdade. Mas é sabido, também, que o bom gasto público se faz com planejamento. E esse volume considerável de recursos que volta para os cofres do governo acaba sendo distribuído de acordo com as necessidades de momento, sem pensar no longo prazo.

Há, também, a questão da temporalidade. Esses recursos extras poderiam ajudar a resolver os inúmeros problemas de caixa do estado desde janeiro, mas acabam “pingando” apenas no final do ano. A gente está falando de mais de R$ 100 milhões, no caso da Assembleia, e de cerca de R$ 40 milhões, no caso da Câmara.

Além disso, reduzir o orçamento para os patamares de gastos atuais seria uma forma de garantir que a época dos gastos desenfreados, dos Diários Secretos e das licitações milionárias para parentes de parlamentares seguisse no passado. Ou, pelo menos, reduzir essa possibilidade.

Logo, usar o dinheiro do fundo para apagar o incêndio não basta. Os vereadores (e deputados), e obviamente o prefeito (e o governador), deveriam considerar reduzir os repasses quando forem votar o orçamento da cidade (e do estado) para 2016. A Constituição só fala em limites máximos de gasto – e não mínimos. É só uma questão de vontade política.

Vale frisar outras duas coisas sobre o uso de dinheiro do fundo. Primeiro, usar o dinheiro para esses fins, atualmente, é ilegal. O dinheiro do FEC só pode ser usado na construção do novo prédio, e mais nada. Mas, como estamos falando justamente do poder responsável por fazer as leis, basta mudar a lei – ou seja, o requerimento não vai dar em nada, mas, se for apresentado um projeto alterando a natureza do fundo, é uma ideia possível.

Outra coisa: R$ 41 milhões podem até ajudar agora – aliás, ajudariam muito. Mas também não vão resolver o problema de longo prazo, nem na saúde, nem no transporte, nem em lugar nenhum. Não que seja essa a intenção, mas é bom deixar isso claro.

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