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Eis a terceira e última parte da entrevista com André Comte-Sponville.

O senhor diz que há uma geração tentando substituir ações políticas por ações morais. Isso é ruim? Por quê?

Porque isso nos condena à impotência. Não tenho nada contra as ações caritativas ou humanitárias, muito pelo contrário. Mas se você contar com elas para transformar a sociedade, você está se enganando. A moral é uma coisa grande, certamente necessária, mas que não substitui a política!

O senhor diz que o erro de Marx foi submeter a economia à moral. E afirma que isso nunca podia ter funcionado. Isso significa que todos os tipos de socialismo estão condenados ao fracasso?

O que está fadado ao fracasso, para mim, é toda forma de política que pretendesse impor o reino da virtude, da generosidade ou do desinteresse, enfim, funcionasse para algo que não o egoísmo. Isso seria querer transformar a humanidade, o que é um sonho totalitário e louco. É em nome da virtude que Saint-Just e Robespierre impuseram o Terror! É em nome do “novo homem” que criou-se o goulag! Resta então inventar um socialismo lúcido, que não peça às pessoas para renunciar aos seus interesses, mas simplesmente ser egoístas juntas e inteligentemente (é o que chamo solidariedade) ao invés de estupidamente e uns contra os outros. Isso ainda é socialismo? Pouco importam as palavras. Digamos que é a versão reformista, liberal e sócio-democrata. É o que alguns, hoje, chamam de social-liberalismo, e a expressão não me incomoda nada.

O senhor realmente acredita que as empresas estão realmente enganando seus consumidores quando dizem que são empresas “morais” ou empresas “cidadãs”?

Por um lado, sim: isso faz parte da comunicação, da publicidade. Mas há também outra coisa: todo mundo prefere defender sua boa consciência. Tanto melhor se isso força nossas empresas a antes prestar contas dos interesses da coletividade. Dito isso, não sonhemos: depende do Estado, e não das empresas, dos cidadãos, e não dos patrões, transformar a sociedade! As empresas estão aí para criar riqueza; o Estado, para criar justiça. É por essa razão que precisamos de ambos!

A sua mensagem é que nós não podemos contar com o capitalismo para ser moral. Assim, é possível crer que ações governamentais podem tornar uma nação mais moral?

Nenhum país é moral: cabe aos indivíduos sê-lo. Por outro lado, há situações moralmente escandalosas (a opressão, a exclusão, a miséria), que um governo digno deste nome deve combater. Desde a crise falamos muito na França sobre “moralizar o capitalismo”. Tudo depende do que compreendemos dessa ideia. Se pretendemos tornar o capitalismo intrinsicamente moral, de forma que ele não funcione mais com o egoísmo mas com a virtude e o desinteresse, isso é evidentemente um desejo edificante, uma mentira e uma ilusão. Ao contrário, se compreendemos por “moralizar o capitalismo” a ideia de lhe impor um certo número de limites externos, então isso não somente é possível, não somente é necessário, como já o fazemos há bastante tempo. Quando proibimos o trabalho das crianças, quando garantimos as liberdades sindicais, quando criamos o imposto sobre o lucro e a seguridade pública, quando sancionamos os abusos das posições dominantes, etc, moralizamos o capitalismo, e isso se fez, cada vez, através da política e do direito. É uma lição para guardar. A política não está aí para fazer a nossa felicidade (nós, e não o Estado, devemos velar sobre ela), mas para combater a infelicidade. A tarefa é considerável: cada um, como cidadão, deve contribuir!

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