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Ninguém divide o país como Lula
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Tente imaginar outra pessoa que causasse o mesmo furor da sexta-feira passada por um mero depoimento à Polícia Federal. Lula não foi preso. Não foi sequer processado. Não é réu. Foi conduzido coercitivamente a depor e, no fim da manhã, estava de volta na rua, para fazer o que quisesse fazer. O que, no caso dele, significa: para fazer política.

Nenhum ex-presidente, fora ele, causaria essa comoção. Para dizer a verdade, provavelmente nem a atual presidente teria esse poder – Dilma não só é menos carismática como está cada vez mais abandonada; Lula mostrou na sexta que pode-se dizer muita coisa dele, mas nunca que esteja abandonado. Por outro lado, ninguém provoca tanto ódio no país. Nem Collor, nem Sarney, nem FHC se comparam.

Há motivos para essa divisão de amor e ódio. Um deles é a retórica ácida de Lula. Ele se criou na oposição à ditadura, fazendo do inimigo comum um laço de união para os sindicatos. Aprendeu a fazer política na ideia de que é preciso combater uma ideia de poder constrangedor e maléfico: e a cada passo, estabeleceu um inimigo para colocar nessa posição. Collor, FHC, a Globo, o FMI. Agora, a Lava Jato.

Uma outra razão: Lula se colocou, ao longo da carreira política, como defensor de uma imensa maioria. Se o inimigo estava posto, as vítimas desse inimigo, no discurso do PT, eram os trabalhadores. Eis o nome de seu partido, eis a causa que adotou, na oposição e no governo. Nada a ver com o pai dos pobres de Getulio, que vinha de cima. Lula se criou como o pobre que chegou lá e prometia dar a mesma oportunidade aos outros.

Nesse discurso de bem contra o mal, arrastou multidões. Intelectuais de esquerda, militantes de movimentos sociais, sindicatos. No segundo momento, da presidência, ampliou ainda mais a sua base de fiéis seguidores com programas que atingiram as classes de baixa renda, como o Bolsa Família e o ProUni. E, não há como negar, seu governo foi inédito nos benefícios que deu a essa gente.

Enquanto fazia isso, Lula manteve seu discurso de ódio. Prometeu extinguir partidos, falava  nos “trogloditas da direita” e, o tempo todo, nas elites que dizia combater (certamente não as elites que comandavam as empreiteiras, veio-se a descobrir). Para um lado, virou santo. Para o outro, demônio.

Eis o estranho fenômeno do lulismo: chegar ao poder sem ser parte da elite que sempre governou. Se há hoje um racha na elite brasileira é porque, finalmente, ela é composta de dois lados, e não de um só, como sempre foi o caso anteriormente.

Mas isso traz lá suas consequências. Para os que o acham santo, tudo lhe deve ser perdoado. Nos últimos dias, houve quem o defendesse das acusações não dizendo que era inocente (única defesa possível), mas sim afirmando que fez isso e aquilo pelos pobres. Como se fosse possível estabelecer um índice criminal em que a cada cem mil beneficiados permite-se que se enfie a mão no jarro uma vez.

Para os que veem-no como demônio, o espetáculo da sexta foi visto como o começo do fim de seu Inimigo, do Adversário. E muitos não deram a mínima bola para os detalhes jurídicos ou para a veracidade (ou não) as acusações. Querem-no preso não pelo que fez, mas pelo que é, pelo que representa.

Nessa história toda, os juízes e procuradores, os policiais e até mesmo quem noticia os fatos viram igualmente anjos ou demônios, dependendo de quem vê. Como se não houvesse espaço para nada entre o bem ou o mal. Como se não houvesse milhões de tons de cinza entre o preto e o branco, ou como se estivéssemos em guerra e, quem não tomasse um lado, mesmo que para isso seja preciso deformar aqui ou ali um fato inconveniente, seja visto como traidor de um causa.

À Justiça, resta a estranha tarefa de tentar julgar Lula pelo que fez, não pelo que é.

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