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O que mata os presos não é a rebelião, é o nosso desprezo
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Enterro de vítima de massacre no Amazonas. Foto: Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo.

 

A cada tragédia, segue-se uma série de “descobertas” daquilo que todo mundo já sabia.

É como o famoso caso das enchentes de verão. Todos os anos, mais ou menos na época em que estamos, começam a desmoronar barrancos, levando junto casas e matando pessoas. Em seguida, descobre-se que os governos investiram quase nada na prevenção. O roteiro termina com a promessa de que, no ano seguinte, tudo vai ser diferente.

Spoiler: não vai.

Há uma série de tragédias anunciadas no Brasil. As rebeliões constantes em presídios são apenas mais uma dessas histórias cíclicas. Os presos, jogados em infernos, uma hora explodem.

Às vezes, matam um companheiro de cela para mostrar que não aguenta mais, como aconteceu em Paranaguá. Às vezes jogam de cima de um prédio um pobre agente carcerário mal pago, que quebra o pescoço, como aconteceu em Piraquara.

Às vezes, matam todo mundo da facção oposta, como aconteceu em Manaus.

Por isso causa revolta saber que ninguém fez nada. Por isso causa revolta o presidente da República ter a coragem de vir a público dizer que o que houve foi um “acidente”. Se não fosse pelo caso de Pedrinhas, no Maranhão, dava para acreditar que era acidente. Se não fosse o Carandiru. Se não fossem as outras dezenas de rebeliões por ano, talvez desse para acreditar.

Assim como todo mundo sabe que em janeiro chove mais e que vai ter enchente, todo mundo sabe que as prisões são um caos. Só que ninguém liga. Deixe que apodreçam lá, desde que não incomodem.

Mas um dia a bomba explode, e a gente se horroriza com o que aconteceu. E cada um tenta racionalizar como pode. Foi a privatização. Foram as facções. Foi a superlotação. Foi a falta de investimento.

É evidente que foi tudo isso. Mas foi mais.

Foi a falta de racionalidade prévia. Foi a falta de pensar que ia se repetir. Foi a falta de solidariedade e a convicção de que tanto faz. Foi o desprezo pelos outros.

Se não houvesse o desprezo e houvesse a privatização, cuidariam para que a empresa não deixasse as coisas serem como foi. Se não houvesse o desprezo, não deixariam que houvesse a superlotação.

Agora, todos correm. Prometem mais 5 presídios. Mais 30 mil vagas. Dizem que não vai acontecer de novo.

Spoiler: vai acontecer.

Enquanto houver o desprezo, vai acontecer.

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