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O que o caso Recalcatti nos ensina sobre nossa democracia?
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Vamos esquecer por um momento o inquérito, o processo judicial, as consequências jurídicas do caso. Isso tudo está no futuro, vai depender das provas e do poder de convencimento dos advogados e promotores. Não há como se adivinhar o que acontecerá.

Mas o caso Rubens Recalcatti permite desde já discutir a relação da polícia do Paraná com os crimes – e também a relação entre a população e as autoridades policiais. Principalmente porque a reação da população à prisão do delegado foi tremenda, não só nas redes sociais.

O delegado saiu da prisão, nesta segunda, alegando que foi vítima de uma ação “midiática e abusiva” do Gaeco. A crítica às prisões temporárias e preventivas tem sido comum no país. Mas dificilmente atinge a repercussão que conseguiu com Recalcatti.

No caso da Lava Jato, pelo contrário, a maior parte da população parece comemorar as prisões antecipadas, que ocorrem ainda durante a investigação. A prisão de empreiteiros, políticos e diretores de estatais parecem não ter apelo emocional, não comover a população – pelo contrário.

A prisão do delegado incendiou a fúria popular. Alguém pode dizer: ok, mas no caso dos empreiteiros e dos políticos, estamos tratando de um caso de corrupção imenso, como ter empatia pelos criminosos? Por esse lado, o crime de que Recalcatti e os policiais foram acusados também é gravíssimo: um assassinato.

Pode-se dizer que na Lava Jato as provas são fortes. Claro que, assim como no caso de corrupção, o delegado Recalcatti também tem direito de se defender. E poderá inclusive provar sua inocência. Mas não há como negar que há um laudo indicando que o morto estaria algemado e deitado, e que morreu com um tiro à queima-roupa. A alegação dos policiais é de que ele morreu em confronto, atirando.

A comoção popular parece ter base em um apoio à figura do delegado. Não só por se tratar de um policial, de um agente da lei. Mas também pelo próprio tipo de ação em que ele estava no momento do suposto confronto. Recalcatti estava indo atrás de alguém acusado de assassinato, em Rio Branco do Sul. Ele diz que identificou um bandido que teria matado o ex-prefeito João da Brascal.

Não é segredo para ninguém que a criminalidade em Curitiba e região é alta. Em Rio Branco do Sul, basta dizer que este não foi nem o único prefeito a ser assassinado. A polícia é vista não apenas como a única a poder parar isso, mas como uma instituição que deve estar acima de qualquer suspeita.

Mesmo quando se excede deve ser defendida. Mesmo quando a acusação é grave, deve ter o benefício da dúvida. Mesmo quando há indícios importantes de que limites legais foram ultrapassados, a população parece não dar apoio a qualquer medida que possa ser tomada contra os policiais.

De novo: ninguém está dizendo que Recalcatti é culpado. Mas ele estava em Rio Branco (que não é sua jurisdição) investigando um assassinato (e era delegado da área de Patrimônio) e há um laudo que diz o contrário do que o policial afirma sobre os fatos. Ele tem direito de se defender, mas é espantoso que tanta gente tenha dito desde o início que era anátema a investigação.

Mais do que isso: muita gente disse que, caso tivesse mesmo assassinado um bandido, Recalcatti estaria de parabéns. Ou seja: há uma sanha na cidade, no país, um desejo insano por comportamento justiceiro da polícia.

Em sua coletiva depois de solto, o delegado Recalcatti disse que é preciso deixar clara uma coisa: polícia e polícia e bandido é bandido. Tem razão. Mas o que o Gaeco estava dizendo é que policiais também cometem crimes, às vezes. Aliás, uma das atribuições do Gaeco é justamente investigar policiais.

Numa democracia, ninguém pode ir preso sem provas. Mas ninguém pode, igualmente, estar acima da lei. A população, no entanto, está dizendo claramente que algumas pessoas, pelo tipo de função que exercem, deveria, sim, estar acima da lei. E isso é um problema que o país precisará saber enfrentar com educação.

Mas esse discurso só não basta. É preciso também enfrentar a criminalidade (por meios legais). O que inclui diminuir a desigualdade, ter polícia eficaz e um sistema judicial que ressocialize. Porque enquanto tivermos esse índices malucos de homicídios, vai ser difícil convencer a população a ter uma mentalidade muito diferente.

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