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Proibir biografias não autorizadas é um ataque à liberdade de expressão
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roberto carlos

O caso das biografias não autorizadas diz muito sobre o Brasil. Sobre o que se pensa sobre liberdades no Brasil. A liberdade de expressão, particularmente, tem apanhado bastante por essas terras. Agora, quem pegou o tacape são os artistas que não querem deixar que se escreva sobre eles sem autorização prévia. Mais: querem ganhar uma porcentagem sobre a comercialização de livros que falem de suas vidas.

Não seria preciso, mas antes do resto, vá lá: Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque são artistas importantes para o país. São dos melhores que temos. A produção de Chico, por si, vale todos os livros que se queiram escrever sobre ele. São pessoas inteligentes, que merecem respeito e por terem combatido a ditadura e outros erros da nossa história. Isso, porém, não lhes dá imunidade à crítica quando defendem absurdos. Ao resto.

A discussão basicamente é a seguinte: embora a Constituição preveja a liberdade de expressão, o Código Civil tem artigos que vedam a comercialização de biografias não autorizadas. Há no Congresso um projeto para mudar isso. E a associação Procure Saber, liderada por Roberto Carlos, Paula Lavigne e outras celebridades nacionais, se posicionou contra a mudança.

Querem, até onde entendo, duas coisas:

1. Que a comercialização continue proibida. Seria possível, por exemplo, escrever uma biografia de alguém para divulgação em um livro didático, ou para colocar de graça em qualquer site. Mas não como livro comercial.

2. Se houver a permissão para as não-autorizadas, que se pague algo ao biografado. Uma espécie de royalties, já que é a vida dele que desperta o interesse pela obra.

São duas discussões diferentes. Vamos a elas. A primeira tem a ver com o direito à privacidade. O sujeito tem sua vida inviolável, e o interesse comercial, ou mesmo o interesse da liberdade de expressão, não justifica que isso mude. Mas é óbvio que em qualquer democracia esse argumento não pode prosperar.

Vejamos. Um livro biográfico é um relato de fatos. Pode ser melhor ou pior. Pode ter verdades e, inclusive, mentiras. Pode inclusive ser calunioso. Mas como proibir isso sem proibir o resto? Por exemplo: um jornal tem a mesma descrição: é um relato de fatos, e está sujeito aos mesmos problemas. Supondo que se faça uma notícia sobre Sarney, ou Dilma, ou quem for. Será preciso pedir autorização antes?

O que está se debatendo é a prioridade das coisas. A liberdade de expressão, em qualquer país sério, vem antes. Se houver erro, calúnia, o que for, o sujeito processa depois. Tira de circulação, pede indenização, o que for. Censurar previamente é a volta á barbárie. A privacidade é importante, claro, mas não pode pôr em risco o funcionamento da imprensa, a liberdade de expressão em geral.

O segundo ponto tem a ver com o direito autoral. Os artistas dizem que o biógrafo deveria dar uns tostões ao biografado, por estar lucrando em cima dele. Mas há um erro conceitual grave aqui. Veja o que diz Nasi, do Ira, à Folha:

“Você está explorando a história e a imagem de alguém. É como se eu deixasse de receber por uma música minha gravada por outro.”

A comparação é com reprodução de músicas, livros etc. Mas isso é propriedade intelectual. Não existe direito autoral sobre a própria vida. Fatos são fatos. Ou não se pode noticiar algo sobre a vida de alguém, se o assunto for de interesse público? Fatos são de livre acesso. Caso contrário, músicos, por exemplo, teriam de pagar royalties às musas de suas canções, poetas pagariam aos objetos de seus poemas. Não faz sentido.

A imprensa tem sofrido constantemente tentativas de censura prévia. Se deixarmos, logo não se poderá falar mais nada sem a autorização do objeto e o imprima-se do governo federal. É hora de dizer chega. Liberdade faz bem para todos. Inclusive para quem vive de arte.

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