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Richa e Dilma: a diferença é a marca da bicicleta
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Colaboração do repórter Chico Marés:

A primeira defesa do governo Beto Richa (PSDB) sobre suas “pedaladas fiscais” foi a mais previsível possível: tentar distanciar-se das pedaladas de Dilma Rousseff (PT). Não se trata exatamente de uma mentira, pois o que os dois governos fizeram foi, de fato, diferente. Como o próprio secretário de Fazenda, Mauro Ricardo Costa, lembrou, o governo do Paraná precisaria, no mínimo, de um Banestado para repetir a pedalada da petista.

Antes de explicar a pedalada tucana, vale lembrar e explicar o que foi a pedalada de Dilma, até para espantar os argumentos de que “isso sempre foi assim”: o governo paga o Bolsa Família e outros benefícios sociais através da Caixa Econômica Federal, por uma questão de praticidade. Deveria funcionar da seguinte maneira: o governo repassa o dinheiro à Caixa, a Caixa paga os beneficiários.

Desde 2013, o que o governo fez, sistematicamente, foi pagar a Caixa somente após datas de prestação de contas, dando a impressão de que os gastos do governo foram menores do que a realidade. Isso resultou em meses de atraso, e até mesmo em riscos para a saúde financeira do banco. Além da imoralidade, há a ilegalidade: fazendo isso, o governo empresta dinheiro de um banco que controla, o que viola expressamente a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O que Richa fez é diferente. Em 2013, o governo estabeleceu uma meta de arrecadação e uma meta de gastos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano de 2014 – algo que, diga-se de passagem, é obrigatório. Ao longo do ano, o governo arrecadou menos do que pretendia e gastou mais do que deveria. Logicamente, descumpriu a meta.

O ponto de virada acontece em 2015. O governo resolve mandar para a Assembleia um projeto que alterava aquela mesma meta, que foi estabelecida para um ano que já havia acabado. A Assembleia, lógico, assina embaixo, sem nem questionar na absoluta falta de noção da medida. Richa virou uma espécie de Marty McFly, ou de Exterminador do Futuro: voltou no tempo e corrigiu o passado para deixá-lo mais adequado a sua vontade.

Mas gestão fiscal não é ficção científica. Se a LRF exige que os governos estipulem metas de arrecadação e despesa, não é por uma mera formalidade, e sim porque elas são ferramentas importantes para o controle da saúde financeira do estado. A conclusão do MP de Contas é até óbvia: não é possível estabelecer uma meta sobre o que já aconteceu. Até porque, se é possível mudar a meta depois do prazo, não há qualquer razão lógica para que a meta sequer exista.

Costa até tentou justificar a alteração. Disse que as previsões sobre a economia foram superestimadas, e que, logo, a meta precisava de um ajuste. Até faria sentido, se a alteração tivesse sido feita ao longo de 2014, e não depois do final do ano. Quando a economia começou a dar sinais negativos (isso já era nítido por volta de junho, julho), o governo poderia, sim, ter revisto suas metas, não seria nada anormal. Mas não o fez. Por que não? “Isso você tem que perguntar ao meu antecessor”, respondeu o secretário.

No fundo, chamar ou não de pedalada é apenas uma questão semântica: Richa pode até não ter usado a mesma bicicleta que Dilma, mas a finalidade das duas ações é a mesma. Os dois governos maquiaram o resultado de sua gestão fiscal para esconder aspectos negativos, e usaram a ferramenta que tinham a sua disposição. E isso está longe de ser uma mera tecnicalidade, como ambos tentam vender. É uma indicação clara de irresponsabilidade fiscal, falta de transparência e incapacidade de gestão.

Isso vai resultar em uma rejeição das contas? Muito provavelmente não. Há outros dois pareceres do TC pela aprovação com ressalvas, e o relator do processo é ninguém menos que o ex-secretário-chefe da Casa Civil, Durval Amaral. Isso deve servir como motivo para rejeitar as contas e, eventualmente, como pretexto para um impeachment? Aí entra uma discussão eminentemente política.

O único fato aqui é que Richa pedalou. E pedalou muito.

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