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O Guardian, um dos mais importantes jornais da Europa, publica hoje um artigo elogiando Dilma Rousseff, as políticas sociais de Lula e afirmando que a campanha de Serra foi igual às dos Republicanos nos EUA.

Mais: diz que a vitória de Dilma não era desejada por Washington. Traduzo abaixo o artigo que, curiosamente, parece escrito por um lulista infiltrado no jornal.

Assim como o comício liderado por Jon Stewart e Stephen Colbert da Central de Comédia que levou centenas de milhares de pessoas para as ruas de Washington D.C. no sábado, a eleição brasileira no domingo foi uma disputa entre “a restauração da sanidade” e “a tentativa de manter o medo vivo” – mas com o destino de milhões de brasileiros seriamente em jogo.

Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, que está no governo, venceu o candidato da oposição José Serra por uma margem confortável de 56% a 44%. Foi uma campanha feia e amarga, marcada por alegações de corrupção e desvios de conduta dos dois lados, que terminaram com a esposa de Serra acusando Dilma de “matar criancinhas”.

Grupos religiosos e líderes que faziam campanha para Serra acusaram Dilma de querer legalizar o aborto, eliminar símbolos religiosos, de ser “anticristã” e de ser uma terrorista, em função de sua resistência à ditadura militar durante os anos 60. Toda a campanha lembrou muito as estratégias republicanas nos Estados Unidos, voltando ao crescimento da direita religiosa nos anos 80, passando pelas campanhas de difamação de Karl Rove e chegando às “armas de distração de massas” de anos recentes.

Serra tinha até uma estratégia de política de relações exteriores de direita, que levou um crítico a chamá-lo de “Serra Palin”. Sua campanha ameaçou afastar o Brasil da maior parte de seus vizinhos ao acusar o governo da Bolívia de ser cúmplice do tráfico de drogas e a Venezuela de acobertar as Farc.

Ele atacou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela sua recusa – junto com a maior parte do resto da América do Sul – de reconhecer o governo de Honduras. O governo hondurenho foi eleito depois de um golpe militar no ano passado, sob condições de censura e de abusos de direitos humanos, de tal maneira que apenas os Estados Unidos e um punhado de aliados, principalmente de direita, reconheceu as eleições como “justas e livres”.

Mas no fim a sanidade triunfou sobre o medo, com os eleitores provando ser mais convencidos pelas melhorias substanciais no seu bem-estar durante os anos Lula do que opor qualquer coisa que Serra tivesse a oferecer.

Talvez não seja surpreendente que Serra, um economista, tentasse encontrar uma maneira de evitar as mais importantes questões econômicas que afetam a vida da maioria dos brasileiros. A economia teve uma performance muito melhor durante os anos Lula do que durante os oito anos de governo do partido de Serra, o PSDB: a renda per capita cresceu 23% de 2002 até 2010, contra apenas 3,5% de 1994 a 2002. O desemprego está num nível recorde de baixa, em 6,2%.

Talvez até mais importante, a maioria dos brasileiros teve ganhos substanciais: o salário mínimo, comparado com a inflação, cresceu cerca de 65% durante a presidência de Lula. Isso é mais de três vezes o crescimento durante os oito anos anteriores (ou seja, na presidência de Fernando Henrique Cardoso). Isso afeta não apenas os trabalhadores de salário mínimo, mas dezenas de milhões de outros cuja renda está indexada ao salário mínimo.

Além disso, o governo expandiu o programa Bolsa Família, que provê pequenas quantidades de dinheiro a famílias pobres sob a condição de presença escolar e de comparecimento a campanhas de imunização. O programa teve sucesso na redução do analfabetismo e hoje atinge 13 milhões de famílias. Mas de 19 milhões de pessoas saíram da linha da miséria desde 2003. E um novo esquema de subsídios para compra da casa própria beneficiou centenas de milhares de famílias, com milhões podendo podendo participar, conforme ele se expanda.

Embora o tipo de estratégia de campanha Republicana emprestado por Serra tenha sido eficiente em boa parte das últimas quatro décadas nos Estados Unidos, na versão exportação não funcionou tão bem. O eleitorado brasileiro cansou rápido da campanha de ataques; e eleitores independentes queriam saber o que Serra podia fazer por eles melhor do que o PT havia feito. Quando ele não conseguiu dizer isso, perdeu seus votos.

No lado negativo, a campanha agressiva impediu que a eleição tratasse de alguns assuntos vitais para o futuro do Brasil. A elite financeira do Brasil, que domina o Banco Central, tem uma influência na política econômia que é no mínimo tão ruim quanto a de Wall Street nos Estados Unidos. Essa é uma das razões pelas quais, mesmo sob Lula, o Brasil teve, por muitos anos, a maior ou uma das maiores taxas de juros do mundo. A taxa de crescimento do Brasil ainda não está nivelada com a dos outros países do Bric (Rússia, Índia e China), e o país terá de se afastar de certas políticas neoliberais de governos anteriores para atingir seu potencial.

A acumulação de capital durante os anos de Lula não foi muito diferente do que nos anos de FHC e foi relativamente baixa comparando com outros países em desenvolvimento. O investimento público foi ainda mais baixo, embora tenha começado a acelerar recentemente. O país irá precisar de uma estratégia de desenvolvimento, que estabeleça novos padrões de investimento e consumo para atingir os interesses da maioria dos brasileiros – dos quais 50 milhões permanecem na pobreza.

Essa eleição tem enormes implicações para o mundo Ocidental, onde o Departamento de Estado de Obama continuou, sem muita hesitação, a estratégia do governo Bush de atacar a independência sem precedentes que governos de esquerda da América do Sul conquistaram na última década. Uma derrota do PT teria sido uma grande vitória para a política conservadora de Washington.

A eleição também tem implicações para o resto do mundo. Em maio, Brasil e Turquia fizeram uma ação inédita no mundo da diplomacia internacional, ao negociar a troca de urânio enriquecido com o Irã, em uma tentativa de resolver o impasse sobre o programa nuclear iraniano. O Departamento de Estado provavelmente ficou mais incomodado com isso do que com qualquer coisa que o Brasil tenha feito na região, incluindo o forte e consistente apoio ao governo do presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Serra, de sua parte, atacou o acordo com o Irã durante sua campanha.

Fora de Washington, então, a vitória de Dilma Rousseff nesta eleição, consolidando as conquistas do presidente Lula, será tida como uma boa notícia.
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