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Pedro Ladeira/Folhapress

Da coluna Caixa Zero, publicada na Gazeta do Povo, nesta quarta-feira:

Os deputados federais da bancada evangélica acabam de aprender qual é o limite do tolerável. Afrontar Xuxa, por exemplo, custa caro. Pastor Eurico (PSB), que desancou a apresentadora em uma sessão da Comissão de Constituição e Justiça, afirmando que ela havia feito um pornô nos anos 1980, perdeu imediatamente o cargo na comissão – a mais desejada do Parlamento. De manhã, falou o que não devia. De tarde, seu partido anunciou que havia sido extirpado da comissão.

Afrontar Xuxa, portanto, não pode. Mas afrontar outras pessoas pode. Veja-se o caso exemplar de Marco Feliciano. Outro pastor. Outro integrante da bancada evangélica. E outro caso de afronta praticada em comissões. Durante um ano, como presidente da Comissão de Direitos Humanos, Feliciano falou todo tipo de barbaridade sobre os homossexuais. Continuou intocado. Seu partido manteve-o onde estava. Não levou advertência. Nada. Afrontar minorias? Isso pode.

Por que a diferença? Por que falar de Xuxa causa punição sumária e insinuar que homossexualidade é uma doença que precisa ser curada não dá em nada? Para tornar mais fácil ainda a comparação: o próprio Pastor Eurico é o responsável por apresentar o projeto que ficou conhecido como “cura gay”. E se fosse “só por isso” continuaria sem punições. Mas falou de Xuxa, e a casa caiu.

Em tese, a punição para quem afronta uma multidão de pessoas poderia até ser maior do que a de um deputado que afrontou apenas uma, e que tem todas as condições de se defender: ninguém tem mais acesso à mídia do que Xuxa para dizer o que quiser e para explicar, inclusive, que o filme não era pornográfico. Mas a diferença, do ponto de vista dos partidos, e dos parlamentares, é clara. Não existe muita gente que vá definir seu voto simplesmente por compartilhar do desprezo que Pastor Eurico sente por Xuxa. Bater em Xuxa não dá voto a ninguém.

Já criticar os homossexuais… O simples fato de haver tantos deputados insistindo nas teses contra as minorias mostra que isso dá voto. Chegaram lá, muitas vezes, devido a essa pregação. E a votação que Feliciano deve ter neste ano provavelmente reforçará a ideia de que vale a pena ser intolerante (pelo menos contra certas pessoas). Tanto é que vários partidos cortejaram o pastor para ser puxador de votos em 2014 – tendo como base suas inequívocas teses preconceituosas.

O intolerável, do ponto de vista dos parlamentares, portanto, não tem a ver com a ética da conduta. O limite do tolerável é ultrapassado quando se pisa em terreno que tira voto, mais do que dá. Ainda mais no caso dos deputados, que ao contrário de governadores e senadores, por exemplo, não precisam conquistar apoio de 50% ou mais da população. Precisam apenas de 1%, ou pouco mais, para continuar no mandato por mais quatro anos. E sempre acharão esse porcentual de intolerantes entre os eleitores – ou, pelo menos, é isso que tem mostrado a realidade das últimas eleições.

A boa notícia tem vindo quando a população mostra que, majoritariamente, é contra certos preconceitos. Aconteceu recentemente com a pressão feita sobre o juiz que afirmou que candomblé e umbanda não eram religiões: teve de voltar atrás. Aconteceu com Rachel Sheherazade, que disse que justiça com as próprias mãos é uma espécie de “legítima defesa coletiva” (ênfase no “legítima”) e foi punida pela rede de tevê em que trabalha. Mas ainda há muita gente intolerante. Campo fértil para os Felicianos da vida.

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