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Respeito ao outro e boas histórias
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Nicolau da Rocha Cavalcanti, jornalista, escreveu recentemente um texto certeiro: “Há um déficit de confiança nas relações sociais: o outro – quem pensa diferente –  deixou de ser merecedor da presunção de boa-fé; não se concebe uma saída honrosa para a voz discordante. Nota-se também uma carência de ponderação, de equilíbrio: todas as afirmações são taxativas; não há tons intermediários. E há ainda uma ausência de afetividade, de sensibilidade: não basta discordar do adversário, é preciso torná-lo desprezível aos olhos de todos”. Assino embaixo. É preciso recuperar a capacidade de escuta, a abertura ao diálogo, a confiança no outro.

A cultura do cancelamento está instalada. Faz estragos na sociedade. Também no nosso ofício informativo. Precisamos, todos, reinvestir no jornalismo factual de qualidade. Menos adjetivo e mais substantivo.

A crise do jornalismo não pode ser explicada exclusivamente pelo fenômeno da disrupção digital. Sua raiz mais profunda está em equívocos na condução do noticiário e das coberturas. O problema, frequentemente, está no conteúdo.

Pesquisas, inúmeras, dão uma pista precisa: as pessoas estão cansadas do olhar cinzento da imprensa. Ler jornal deixou de ser prazeroso. O negativismo permanente é uma forma de falsear a verdade. A vida, como os quadros, é composta de luzes e sombras. Precisamos denunciar com responsabilidade. Mas devemos, ao mesmo tempo, mostrar o lado positivo da vida.

A incapacidade dos jornais de entender aqueles a quem devem reportar é a causa das críticas que frequentemente desabam sobre nós

Em recente artigo publicado no Orbis Media Review, o cientista político João Arantes fez uma análise interessante que mostra que a polarização pode estar se transformando num álibi para justificar a perda de qualidade do jornalismo. A polarização existe, mas ela não é absoluta. Somente enxerga a polarização como um fato absoluto quem está, de uma forma ou de outra, completamente envolvido ou tomado por ela.

A verdade de que a ignorância e o extremismo podem existir em qualquer movimento político não ofusca, entretanto, uma outra verdade: a de que existem justificativas legítimas para estes mesmos movimentos. A incapacidade dos jornais de entender aqueles a quem devem reportar é a causa das críticas que frequentemente desabam sobre nós.

Recentemente, lembra João Arantes, a jornalista americana Batya Ungar-Sargon fez uma excelente análise sobre aas eleições americanas de meio de mandato, as chamadas midterms. Dado o péssimo desempenho de Biden na presidência dos EUA, a expectativa era de que os republicanos tomariam, de forma avassaladora, o controle de ambas as casas do Congresso que haviam sido perdidas juntamente com a derrota de Trump em 2020. O previsto não aconteceu. Os republicanos até conseguiram maioria na Câmara, embora por uma margem muito inferior à esperada, enquanto o Senado permanecerá sob controle dos democratas.

O que muitos viram como uma derrota dos republicanos Sargon viu como uma derrota da polarização. Vale uma longa citação:

“As pessoas que decidiram os resultados eram americanos comuns, cansados da atmosfera política superaquecida que está sangrando sobre a vida cotidiana. São pessoas que não passam o dia inteiro no Twitter, assistindo a TV a cabo ou programas no YouTube, que estão cansadas das lutas no Facebook, brigas de família durante o Dia de Ação de Graças e só querem um retorno à normalidade, aos bons e velhos tempos em que se podia debater as coisas de forma cordial.”

“Converse com qualquer pessoa de classe média ou trabalhadora sobre política e, em determinado momento, é provável que ela lhe diga o quão farta está de como tudo se tornou controverso. Embora nos digam incessantemente sobre o quão polarizados estamos, a verdade é que os americanos não se odeiam; eles odeiam os partidos políticos – ambos os partidos políticos.”

“Em disputa após disputa, os eleitores recompensaram candidatos que apresentaram as ideias mais razoáveis. Eles votaram em candidatos que poderiam ser imaginados – candidatos que talvez tenham sido vistos – conversando com alguém de quem eles discordam. Vitórias foram dadas a membros de ambos os partidos que conseguiram demonstrar, em suas declarações, em suas campanhas, com seu comportamento ou retórica, uma disposição para ultrapassar esta divisão que aliena tantos americanos.”

Além do público que tem uma opinião política consolidada, há também uma parcela considerável da população que está cansada das disputas atuais e que não encontra um conteúdo que lhe satisfaça a curiosidade

Todas estas afirmações podem valer ouro para jornalistas que polarizam, eles próprios e por vezes sem perceber, a disputa política para um lado ou para o outro, ou que não encontram uma audiência com a qual dialogar. A verdade é que, além do público que tem uma opinião política consolidada, há também uma parcela considerável da população que está cansada das disputas atuais e que não encontra um conteúdo que lhe satisfaça a curiosidade.

Estou convencido de que boa parte da crise da imprensa pode ser explicada pelo isolamento de algumas redações, por sua orgulhosa incapacidade de ouvir os seus leitores.

A polarização talvez não seja exatamente o que se imagina. As pessoas podem estar cansadas da radicalização. Querem informação serena, independente, bem apurada, sem carimbo ideológico.

Profissionalismo pode ser o melhor caminho para dialogar com a audiência. Uma bela oportunidade para o jornalismo.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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