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Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, a primeira atleta trans da história das Olimpíadas
Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, foi a primeira atleta transexual da história dos Jogos Olímpicos.| Foto: EFE/EPA/Michael Reynolds

A diferença entre os sexos é o mais forte exemplo do tal óbvio ululante. Enquanto um molequinho é o elo perdido entre o sagui e a maritaca, uma menininha é um labirinto rococó mental dotado de instintos maternais. Depois da puberdade, então, quando a razão do dimorfismo físico, psicológico e espiritual faz-se atuante, confundir os sexos é como confundir a noite e o dia. É o mais perfeito exemplo de complementação mútua em toda a Criação: há nos homens um vazio do tamanho e formato duma mulher, e vice-versa. É a diferença que faz com que nos fascine o sexo oposto, e é a mesmíssima diferença que nos faz complementares, que nos leva a tão perfeito encaixe físico e amoroso, de capacidades e interesses, de força e razão, de amor feminino e amor masculino, de complexidade feminina e simplicidade masculina.

Durante a Era Moderna, em que a natureza era o inimigo, foi praticamente vedada às mulheres toda participação cívica. Trancaram-se as mulheres nos lares burgueses com um espanador numa mão e uma colher de pau na outra, e asseverou-se a ofensiva ficção falaciosa de sua incapacidade para tudo o que não fosse estritamente doméstico. Disse, contudo, um célebre alquimista que a toda ação corresponde uma reação igual em força e oposta em sentido; no que é humano e social, seria possível ir ainda mais longe e enunciar que a reação é igual em imbecilidade e refletiva em sentido. Foi este o caso quando surgiu o feminismo, em justificada revolta contra o aprisionamento burguês de metade do gênero humano. Urgia que se reconhecesse o valor – quiçá a superioridade – do sexo feminino. Em vez disso, buscou-se transformar as mulheres em homens, negou-se a complementaridade dos sexos e somou-se à prisão doméstica a escravidão ao mercado.

O resultado foi péssimo, como não poderia deixar de ser. Inclusive e especialmente no campo político, aliás, onde já era a regra que extravasasse o pior do homem. Ao pior de um sexo uniu-se o pior do outro, criando leviatãs-açu que fariam Hobbes seriamente sopesar as vantagens da vida de ermitão, ou mesmo do ingresso numa colônia hippie. Juntou-se a boçalidade masculina à tentação feminina do controle excessivo e sufocante, e nasceu o fascismo. Somou-se à propensão masculina à temeridade e a feminina à insuspeição, e as moedas fiduciárias substituíram o capital pela finança. Acoplou-se a capacidade masculina de multiplicar as burocracias impessoais ao desvio tão feminino do amor para o estômago, e surgiu o Estado de bem-estar social e seus socialmente caotizantes e nefastos incentivos.

Urgia que se reconhecesse o valor – quiçá a superioridade – do sexo feminino. Em vez disso, buscou-se transformar as mulheres em homens, negou-se a complementaridade dos sexos e somou-se à prisão doméstica a escravidão ao mercado

Esta reação desordenada e deletéria ao problema real da questão feminina na Era Moderna espalhou-se e elevou-se como as ondas na água fétida de um sanitário de botequim quando a atinge a diarreia nervosa de um bêbado. O Estado assumiu – à sua maneira obtusa e intrometediçamente masculina – funções de natureza feminina, que até então haviam sido encerradas nas prisões domésticas da burguesia. Passou ele a regular e controlar a vida de todos como uma mãe pressurosa as peripécias dos pimpolhos, conferindo se não esqueceram o suéter e o guarda-chuva, garantindo que o cabelo esteja bem-repartido ao estilo “vaca lambeu”, e apavorando-se por antecipação com a possibilidade de joelhos ralados. Leis proibindo o que quer que possa trazer algum vago risco de perigo multiplicaram-se aos magotes; carimbos, atestados de todo tipo e demais inanidades burocráticas multiplicaram, impersonalizaram e centralizaram as preocupações superprotetivas e limitantes tão típicas das mães de meninos mimados; ao laissez-faire masculinamente descuidado e indiferente do capitalismo selvagem substituiu-se uma legislação trabalhista que é uma mãe para os empregados, uma megera para os empregadores e uma madrasta malvada para os desempregados. O sofrimento pessoal passou a ser preocupação do Estado, com isso destruindo as instituições sociais intermediárias que o aliviavam sem engessar a sociedade como um todo, como sói acontecer com toda medida excessivamente centralizante.

A maior vítima, claro, foi novamente a mulher, que saiu da frigideira para cair numa fogueira sacrificial onde teve de abdicar de sua feminilidade, terceirizando-a em toda medida, como preço a pagar pela chave da porta das celas domésticas burguesas. Não mais trancadas em casa com um espanador algemado à mão, as mulheres foram trancadas em caixas de supermercado, balcões de lojas e outros milhares de tipos de subempregos pouco remunerativos, nada estimulantes e ainda menos condutivos à realização pessoal, suspirando de saudades dos filhos terceirizados a uma creche. Os maridos que das prisões fabris da Era Industrial levavam para casa o pão de cada dia foram substituídos por um sem-fim de amantes fugazes e fugidios que na melhor das hipóteses consideram cumprir com as obrigações paternas ao depositar uma merreca mensal. E o espanador continua esperando ansioso a volta de sua prisioneira, com a desvantagem agregada de ter de ser comprado com o parco salário da pobre mulher.

De uma situação flagrantemente injusta e completamente imbecil, em que o potencial de metade da espécie era tolhido em botão, passou-se a seu reflexo especular: oposto, mas precisamente igual. Antes a ordenação social formal era totalmente masculina. Os Estados cuidavam basicamente de fazer guerras e dinheiro ou, ainda mais frequentemente, guerras por dinheiro. A política era um clubinho em que nada era levado a sério, a não ser as lutas intestinas por poder. Na economia não havia estorvo à mais extremada rapacidade, e tanto colônias quanto operários eram explorados sem dó nem piedade. Com a entrada da mulher na política – mesmo lhe sendo cobrado o preço altíssimo da abdicação de sua feminilidade, mesmo sendo ela forçada a negar a própria natureza, fingindo-se homem na sexualidade e na escolha de objetivos –, deslocou-se para a ordenação social formal a condição feminina de que elas tiveram de despojar-se na vida pessoal.

Passamos a ter, em enorme medida, uma ordenação formal fantasiosamente feminina, em que o Estado – tão grosseiro e brutal como antes – assumiu preocupações femininas. Isto, claro, lhe é tão pouco natural quanto um gorila de 200 quilos delicadamente vestido de camisola rendada pousando preocupado a patorra na testa de um bebê para ver se está com febre. Mas é o que ocorreu, em grande medida por causa de algo que Chesterton predissera ao falar das sufragettes de seu tempo: é da natureza feminina levar tudo terrivelmente a sério. Inclusive a política, se for esta a vocação de uma dama. Um claríssimo exemplo deste fenômeno pode ser discernido no casal Clinton, em que o homem é um cafajeste imaturo que via na política o caminho mais curto para a frívola sedução de estagiárias gordinhas, enquanto a mulher é uma comissária política extremamente ambiciosa, cuja seriedade na implantação de sua ideologia faria inveja a Rosa de Luxemburgo.

Tendo, então, atingido um ponto de dissolução quase total da ordem masculina anterior, estamos numa situação em que as mulheres são a Branca de Neve e o Estado é a madrasta. Lembremos, afinal, que foi com o objetivo de ter plenamente para si seu marido, de aconchegá-lo e sufocá-lo com seu amor tentaculiforme, que a bela madrasta da fábula quis livrar-se da ainda mais bela enteada. Preocupa-se o Estado atual, tanto em sua dimensão formal quanto nos seus reflexos de mídia e academia. Preocupa-se em tempo integral, como mãe pressurosa e amantíssima; exatamente como tal mãe, ataca imediata e brutalmente quem seja percebido como ameaça àquele que ama.

E é desta preocupação com as ameaças à fragilidade emocional presumida de seus protegidos que surge nestes dias a maior ameaça da história humana à mulher. O Estado que lhe roubou a feminilidade, o gorila de camisolinha, exige agora das mulheres que cedam vez a marmanjos de vestido. A própria condição feminina passou a ser negada, em prol da proteção dos frágeis sentimentos de uma minoria ínfima de barbados vitimados pela ilusão de pertencer ao belo sexo. Nos esportes femininos os pódios são masculinos; para proteger os toscos pseudofeminis, nega-se às mulheres a possibilidade de competir apenas entre elas. Até mesmo os raros espaços de convivência exclusivamente feminina foram invadidos por robustos rapagões. Como de costume ao se tratar de homens, mesmo sua simulação de feminilidade costuma ser grosseira, brutal e direta, de uma maneira completamente alheia ao sexo que atacam ao tentar invadir. Aliás, para quem já tenha tido alguma experiência com tais rapazes em ambientes noturnos pouco familiares, em que são fartos o álcool e a agressão física, sabe que sua ferocidade sobrepuja, e muito, a dos tranquilos com a própria condição masculina. Todo policial e médico de emergência sabe que homens que se aceitam como tais trocam socos e cadeiradas, mas os que tentam ganhar formas femininas usam lâminas afiadíssimas e gargalos de garrafas.

Todo ambiente coletivo, agora desprovido de quase qualquer oásis de feminilidade, passa a ser fisicamente perigoso; as mulheres, no fim das contas, veem-se ainda mais prisioneiras que suas antepassadas pré-1968

Pois essa agressividade, que costumava dirigir-se contra membros do mesmo sexo, é agora – com aplausos da mídia e da academia, e sob a proteção do Estado – dirigida contra vítimas muito mais nobres e fisicamente frágeis, e de maneira muito mais covarde. No Canadá um deles, afirmando-se mulher, exigiu que uma depiladora brasileira eliminasse o pelame de suas intactas, digamos, “joias da coroa”. Nos EUA, uma menina-moça foi ferozmente estuprada de duas maneiras contrárias à natureza por um rapaz cujo gosto por saiotes garantia-lhe acesso ao banheiro feminino da escola onde estudavam. O pai da menina reclamou, e foi preso; o rapaz foi transferido de escola, e cometeu o mesmo crime na nova. Na Inglaterra, os estupradores que se declarem do belo sexo são mandados para cadeias de mulheres, onde evidentemente encontram farta oportunidade de perpetrar repetidamente o mesmo crime. E as presas que reclamem, ou mesmo que simplesmente usem um pronome masculino para referir-se a um dos perigosos invasores, têm a pena automaticamente aumentada.

Temos, assim, finalmente, a combinação social formal do pior de cada sexo. O Estado, truculentamente masculino, atocha-se em vestidinho de chita e sufoca a tudo e a todos num simulacro cruel de feminilidade tóxica. Homens – e diria eu que muitas vezes os piores dentre os homens – invadem os espaços femininos remanescentes, roubando das mulheres até mesmo o direito ao reconhecimento de sua augusta condição. Todo ambiente coletivo, agora desprovido de quase qualquer oásis de feminilidade, passa a ser fisicamente perigoso; as mulheres, no fim das contas, veem-se ainda mais prisioneiras que suas antepassadas pré-1968. Às mulheres que se sintam justamente ultrajadas por tal negação da própria essência dirigem-se o opróbrio e o “cancelamento” por parte da mídia e da academia, e cada vez mais a punição estatal.

Tudo, lembremos, em prol da proteção da frágil autoestima de quem literalmente já não se sente bem na própria pele. De quem tem dificuldade em encarar-se no espelho, como uma pobre moça com distúrbios alimentares que tome sua esquelética reflexão no espelho por uma rolha de poço de banha fofa. Ou, mais e mais, dos predadores que vejam nessa variedade de fingimento o caminho mais fácil para alcançar fartas e frágeis presas. É a feminilidade roubada das mulheres que protege, “maternalmente”, quem lhes rouba e nega a própria condição. E é a boçalidade masculina que força as moças a aceitar a perda do que lhes é mais próprio, mais augusto e mais íntimo. Tanto em termos sociais, pela ação brutal do Estado, quanto individuais e pessoais, pela intromissão nos espaços femininos de gente cuja arrogância e insensibilidade revela a essência masculina.

O pior de cada sexo, no pior de dois mundos complementares, mas sem intersecção.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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