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Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
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A cada dia nos chega nova notícia sobre os Correios. Cada notícia que nos chega é pior que a anterior. Um dia é o sistema de rastreamento de correspondência que piora tremendamente, impedindo que se ponha uma busca como favorito no navegador de internet para poder rastrear uma correspondência sem ter de digitar a cada vez o longo código alfanumérico. Noutro dia, é uma operação da Receita Federal procurando produtos sem nota fiscal, numa flagrante violação da intimidade da correspondência. Intimidade esta, aliás, também violada por nova regra dos Correios que obriga a colocar do lado de fora de cada caixa uma declaração de conteúdo para facilitar a vida do assaltante de caminhões de Sedex. Aliás, já mencionei que muita carga é roubada ou perdida de outros modos? Ou que mesmo nas megalópoles os Correios não entregam mais cartas em muitas regiões, mesmo nas raras ocasiões em que não está em greve?

Isso e muito mais chega a cada dia aos nossos ouvidos e a cada dia nos atrapalha a vida, seja pela perda ou atraso de boletos de pagamento e encomendas, seja pela necessidade de entrar em filas cada vez maiores; afinal, hoje em dia a agência de correio também é banco, talvez para competir com as lotéricas. Há de haver alguma razão. Não pode ser apenas a tradicional incompetência dos gestores públicos, que aliás desviaram tanto dinheiro do fundo de pensão dos funcionários dos Correios que o seu carteiro dificilmente vai conseguir se aposentar quando não tiver mais pernas para o serviço. O que será?

Eu tenho cá para mim uma tese, que corresponde a fartos antecedentes na triste história de desmazelo para com os bens públicos do Brasil. Creio que os Correios estejam sendo propositadamente destruídos, para que a população, frustrada com a sua incapacidade total ou quase total, passe a ver com bons olhos sua privatização, mesmo que feita na bacia das almas. Privatização esta, claro, que há de ser feita com a papelada toda certinha, mas com vencedor escolhido de antemão entre os amigos do rei e precinho camarada. Desconfio, inclusive, que este dono já tenha sido escolhido, e que seja por isso que esteja sendo acelerado o processo de desmonte dos Correios.

Um funcionário da ECT contou-me que seus colegas, insuflados pelo sindicato, realmente acham que ganharão aumentos substanciais se fizerem greve em cima de greve. A Receita, por sua vez, está agindo mais ativamente que o que costumava ser o caso para apreender bens descaminhados ou contrabandeados que já estejam dentro do território nacional. A criminalidade está, literalmente, matando. Mas, mesmo assim, é coisa demais de uma vez só. É ataque demais, todos e cada um deles diminuindo ainda mais a já pequeníssima eficiência de nossos Correios e Telégrafos (aliás, alguém sabe se ainda existem telégrafos?). Só vejo como explicação possível uma ação orquestrada, mais ainda porque no Brasil apenas ações ilegais ou na fronteira do ilícito são bem orquestradas, e a demolição dos Correios está funcionando muito melhor que os próprios Correios.

A privatização dos serviços de telefonia, no finzinho do milênio passado, funcionou. Enquanto agora basta entrar em uma loja para sair com um telefone no bolso, antes tinha-se de esperar anos por uma linha telefônica, que era um bem considerado equivalente a um imóvel pequeno, muitas vezes até no preço. Quando minha mãe faleceu, havia duas linhas de telefone em seu inventário. O fato de o serviço privado ser muito melhor que o público anterior, todavia, não significa que tenha sido pago um preço justo. Ao contrário, acho tremendamente improvável que tenha sido jamais o caso, em qualquer privatização brasileira. Na privatização da Vale, disso eu me lembro bem, foi dito que se os carros em nome da Vale fossem vendidos a preço de mercado já daria para pagar o lance ganhador. Não sei se é verdade, mas se non è vero, è ben trovato.

No Brasil, o patrimônio público é tido pelos seus administradores como patrimônio próprio. Este traço cultural, inclusive, é um dos muitos que me faz monarquista: temos de oficializar o que já acontece e dar um dono aos bens públicos, porque o descompasso entre a lei e a cultura só favorece os corruptos. Privatizações são necessárias. Afinal, por que cargas d’água o Estado tem de ser dono de negócios que seriam mais eficientes se administrados privadamente? Mas elas acabam sendo ocasião de farta rapinagem dos cofres públicos. É um dos desvios de dinheiro mais fáceis de executar, pois não se precisa nem sequer esperar que o dinheiro entre no cofre público para dele se apossar. Pelo contrário, até. O resultado é que dificilmente paga-se um preço decente pelo que quer que o Estado venda.

Mas muito há a vender. Os Correios têm, sim, utilidade pública ao servir locais distantes. Contudo, eu não saberia dizer o quanto conseguem efetivamente servir; onde moro não há entregas, por exemplo, e tenho de me deslocar até o posto dos Correios para receber minha correspondência. E isso num dos estados mais ricos da Federação. Imagino como não há de ser no interior do Amazonas, no Acre ou em Roraima. Quando mandei um livro para um primo no Acre, ele me disse que registrasse a carta, pois sem registro simplesmente não chega. Ora, se já estão roubando até livros, é que a coisa chegou mesmo ao fim da linha!

Mesmo assim, do mesmo modo como se conseguiu mais ou menos obrigar as operadoras de telefonia a mais ou menos implantar uma cobertura mais ou menos em lugares mais ou menos distantes, é possível que se consiga mais ou menos obrigar Correios privatizados a entregar mais ou menos a maior parte das cartas e encomendas em um que outro buraco mais ou menos perdido nos cafundós do sertão. Tudo mais ou menos, como já é mais ou menos o serviço postal nos seus melhores momentos.

Só o que me dá pena, de verdade, é que, com a péssima mania empresarial de mudar o nome das coisas como simpatia para fazê-las serem mais bem vistas, os Correios provavelmente deixarão de ser assim chamados quando forem privatizados. Só espero que o novo dono não lhes dê nem um nome com trocadilho, nem um nome em inglês, nem uma sigla sem sentido. Mas acho que já é esperar demais.

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