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Ricardo Pozzo
Ricardo Pozzo| Foto:

Vozes de casa

Gosto muito de viajar, mas não mais do que cinco dias longe de casa. Por mais luminoso que seja o novo estar, não é meu habitat, o colchão do hotel nunca tem a mesma densidade, não posso levantar no meio da madrugada para me curar em destilados – esta melancolia que tenho por não saber amar –, não encontro as mulheres que disfarçam o meu tédio por ser seco como três desertos (desculpe-me, Nelson Rodrigues, hoje estou um ladrão sem remorso).

 

Telhado deste mar

Anda chovendo muito no telhado deste mar. Leio Florbela Espanca e contrafaço meu cansaço relembrando velhos altares. Agora a pouco li Lucy Kellaway, a delicada e ácida colunista do Financial Times. Drummond, Verne, Tavares, meu querido Rubem Braga… Desculpem-me: meu sonho é escrever com a concisão maldosa e angelical desta britânica. Aliás, Andy Murray quando vence é britânico. A gente sabe, a gente não diz, mas quando perde ele se torna escocês novamente.

Não consigo torcer por Andy Murray porque ele é escrito de um jeito estranho. Mas é muito, muito bom, exceto quando perde. Ele perde mal.

Ricardo Pozzo

Ricardo Pozzo

Armazéns de nosso livramento

Uma amiga querida lembra que quando era criança achava engraçado quando as pessoas diziam trans alguma coisa. Matava-se de rir quando ouvia o nome Transamérica, achando que era algo sexual.

A primeira vez que fui num armazém pra comprar pão – a panificadora da esquina estava fechada –, pensei que ia ser raptado ou, pior, que não conseguiria voltar pra casa. Hoje, gasto tudo o que tenho em a) contas de sobrevivência; b) viagem.

Gastar em bebidas e mulheres não é gasto. Na verdade, nem o item b. [Minha casa, você não pergunta quando iremos te arrumar? Não estranha a presença de mulheres sombrias a checar seus calos? Por que não responde quando tento chorar? Onde você guarda a fumaça de seus velhos olhos? Quero que você me diga como a gente faz para ser do tamanho exato de suas paredes que não cedem quando cai o temporal lá fora.]

Estamos sempre despregados do tempo, anacrônicos.

Boa noite.

 

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