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Em certos períodos da minha trajetória como usuário da língua portuguesa, principalmente quando estou mais envolvido com o ato crítico-literário, simplesmente não tenho o que escrever. São duas as motivações: tenho pouco fôlego para a combinação frequente de palavras, então acabo fazendo o que dá, e esgota-me facilmente o cesto de ovos, aquilo que Humberto Werneck fala do local onde resgatamos ativamente o que temos a dizer.

Contudo, algumas coisas precisam ser ditas.

Por exemplo, a mocinha norte-americana Shan Dude compartilha vines em que os protagonistas são frangos, ratos, porcos-espinhos, gatos e perus. Os vídeos são gravados, geralmente, entre plantações de milhos e matagais nonsenses. E como diz um amigo (haole da literatura que sou), ela tem o carisma de um Gustavo Kuerten – ótima expressão, não?

Ontem, conversando com estudantes de Jornalismo da Uninter, falamos muito sobre a necessidade contemporânea de repertório, isso de ressignificar a corrente sem pular o tubarão – fugir do absurdo ou do exótico por ele mesmo, como preferir. A vida, afinal, é a mocinha Shan Dude, a alagoana que dá o número de celular ao bandido, “DDD 82”, o vídeo dos cachorros com semblante de culpa, o mene do tubarão-julgador, e também a camada de experiências históricas do que é o humano, estancadas na ausência de nossa memória. E como consultar tudo isso no fluxo incessante do cotidiano?

Ser contemporâneo nunca foi tão difícil. Anda sendo bem mais do que ler Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva, que, veja só, já tem mais de 20 anos. Não é somente atravessar o que Shakespeare tem a dizer sobre os sentimentos inominados, ou parar e ler a última crônica da Vanessa Barbara. Há coisas acontecendo nos bastidores históricos do mundo a nos dizer que talvez possa existir saída, ainda há como, quem sabe existe mesmo alteridade, empatia, coração. Mas aí logo me deparo com um policial militar atirando no rosto de um manifestante recifense e a sensação de absurdo, de fragilidade e de terror retorna.

Também foi ontem.

 

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