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Ricardo Pozzo
Ricardo Pozzo| Foto:

Causa estranhamento abrir a semana em que se completará trinta anos. É como um anúncio oficial: esta é a sua última semana de juventude. Aproveite. Viva. Exagere. Comemore. Compreenda.
Talvez eu não esteja aproveitando ou dei de desconsiderar o simbólico da data. Mas confesso que alguma coisa se passa no meu coração, apesar de admitir que ando numa frequência a menos há um bom tempo, como se em algum dia de 2014 eu já tivesse completado os trinta anos e reconhecido de modo palpável as próprias limitações físicas e emocionais – isso de buscar ser condizente em ações com a própria idade e abrir caminho para o realmente novo. Não é simples.

Tento caçar na memória o que eu buscava quando completei vinte anos, o mundo todo a percorrer. Lembro-me de estar razoavelmente namorando e de ter passado o aniversário numa praia longínqua, algo assim, num sol de sete sóis – e sem protetor solar. Não sei exatamente dizer, nesses vinte aos 29, quantas vezes tive exatamente vinte anos e fui o que se espera de um jovem dessa idade. Não foram poucas as inconsequências, mas não posso afirmar que quero permanecer-me simbolicamente com vinte, agora que entro numa nova faixa das estatísticas.

Moro aqui, nesta casa de madeira com estranhos ruídos, há doze anos. Nunca teve goteira, um orgulho. Algumas vezes já quis me mudar, ir para algum apartamento no Centro de Curitiba, chegar no fim de tarde de trabalho, abrir uma cerveja, sentar na sacada, encostar as pernas na mureta e observar os movimentos do céu e do asfalto. [Três coisas que invejo nas metrópoles: vida noturna, profusão de feiras ao ar livre e a imensidão de sacadas.]

Por um tempo pensei em largar tudo e ir para São Paulo trabalhar de garçom e morar numa pensão qualquer. Mas não fui. Teve uma vez, sim, que andei a pé por umas oito cidades do Paraná e de Santa Catarina, uns doze dias, atrás de não sei o quê. Nunca escrevi nada sobre isso. Pareceu-me a coisa mais inócua que já fiz. Ao menos foi perigoso, o que moveu, em certo grau, aquele jovem entregador de jornal. Um dia conseguirei contar essa estranha turnê sem significado.

Bem, no próximo fim de semana completo trinta anos. Talvez eu te chame para vir aqui tomar uma cerveja e falar do futuro. Talvez não faça nada. Vou deixar para resolver lá por quinta-feira – não há mais tantos motivos para pressas, não há de se preocupar se virão cinco ou cinquenta. Talvez ninguém. O que espero, mesmo, é encontrar neste homem em novo ciclo algum tipo de sobriedade para conduzir esta vida e toda a sua caravana de solitudes. Quem sabe até com alguma altivez. E, tomara, com amores leves.

Ricardo Pozzo

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