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Ricardo Pozzo
Ricardo Pozzo| Foto:

Dirigir cedo, num domingo, nas rápidas de Curitiba é sentir-se numa cidade entorpecida até em árvores, que parecem mortificadas. É 8h e estamos em frente a um hotel da Visconde de Guarapuava, rumando à capital paranaense da cachaça: um grupo de jornalistas teresas-batistas-cansados-de-guerra, entre eles um editor do New York Times, a razão da empreitada turística toda – embora Morretes e a América do Norte tenham a mim distância afetiva similar.

Na sexta-feira também cedo – gente, a manhã é feita para dormir! –, Aron Pilhofer discursou na Universidade Positivo sobre jornalismo de dados e o futuro das narrativas digitais. Ele alegou, de modo geral, que os portais de notícias arriscam pouco, são monótonos, desconhecem de modo abissal o seu público e não exploram as diversas possibilidades de contar uma história. Ao menos, foi o que captei, pois o meu inglês é rastaquera e não acompanhei bem a tradução simultânea – o fluxo todo me confundiu, minha cabeça não assimila tantos estímulos, em certos momentos estava pensando em futebol e na moça bonita ao lado.              

40 minutos de van e descemos agora numa quiçaça na BR para, então, adentrarmos por 4 km o caminho histórico da Estrada de Anhaia, uma descida lisa cheia de pedregulhos, em meio à Mata Atlântica. [Um minuto só, está passando aqui na rua de casa o carro de som do mercadinho ao lado, anunciando as promoções do fim de semana.] A Estrada do Anhaia remonta ao século XVI e foi usada pelos fornecedores do porto de Morretes – tinha até pedágio –, muitas bananeiras e alambiques na região.

Apesar de diversas tentativas, nenhum jornalista caiu no percurso. Chegamos agora ao alambique Diquinho Leal, mantida por Marisa Leal, com equipamentos artesanais e atmosfera barroca. Fico sabendo que uma roda d’água é dos anos 1930, o que, convenhamos, confere à sua fonte um caráter místico. Qual será a sabedoria da chuva de tantas décadas? Não sei se a minha pergunta faz sentido, mas reflito sobre a velhice da água.

A van novamente nos resgata e nos leva até a Casa Poletto, de Sadi Poletto, um ativista-embaixador da cachaça na região. Após ele falar mal do Requião, questionar a aguardente mineira, tergiversar sobre a decadência do Império Romano e o lobby das grandes cachaçarias nacionais, provamos de sua cachaça de alambique, a famosa Ouro de Morretes, que desce rasgando e tonificando a alma.

Depois da pequena palestra do descendente de italiano, não vejo mais forma de tomar cachaça impunemente. De fato, muitas coisas me impressionaram em seu Sadi, como a explicação simplória à cefaleia causada pelas cachaças industrializadas, mas vou falar mais disso na próxima crônica. 

Ricardo Pozzo

Ricardo Pozzo

Curitiba, quarta-feira

É último dia de aula e, como havia de ser, estou em ritmo de balanço geral, tentando entender porque fiz o que fiz, porque faltei onde faltei. Incomoda-me, sobremaneira, a desleitura de alguns livros básicos da estante literária jornalística. Onde estive que não li Chatô e Abusados, por exemplo?

Não é uma pergunta difícil de ser respondida. Estive ou no bar ou ao lado de moças de vinte anos ou ambas as alternativas. Bem, nunca considerei o bar uma perda de tempo. Em relação às meninas de vinte anos, torço mesmo para que eu crie algum juízo e pare de fazer-me de arlequim.

[Posso sentir agora, como se fosse palpável, a massa de meu passado, os dias em que estive ao lado dessas moças muito bonitas e rude de ideias e, ao ver elas falarem, me sentir dentro de um replay em Super Slow, tentando muito entender o que elas diziam e, principalmente, o motivo de estar ali.]

Não sei precisar agora o que fica e o que se perde.

Estranha-me, porém, a saudade que sinto agora de uma moça morena, de cabelos bem longos e óculos grandes, magrinha, do Bloco Vermelho. Nunca soube seu nome. Passamos quase dois anos se encontrando na modesta Praça de Alimentação, trocando olhares, sem jamais nos falar, como se desconvictos da aproximação, cultivando a distância das não-palavras.

A você, moça de óculos, minhas sinceras despedidas.

Porque, ademais, o mundo prossegue, é extenso e, se a gente não se segurar na ladeira, cai, e o meu coração atravessa as matas em busca de boas cachaças e amores que desçam rasgando, mas não deem dor de cabeça.

 

 

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