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Ricardo Pozzo
Ricardo Pozzo| Foto:

fluxo-verso, da campinense Mariela Mei, é um caderno lírico muito curioso. Compilação de 71 poemas – peculiarmente detalhados num sumário de quatro páginas –, Mariela ratifica no cerne o que diz o cineasta Ugo Giorgetti sobre o erro de todos nos acreditarmos contemporâneos: estamos diante de uma escritora descaradamente romântica, como se jovem em 1774.

Tudo está lá: a dor do que falta, as saudades lacrimais, os murmúrios, a infância, o poema para o grande amor, minh’alma, ó! vãs palavras… Eis o susto, portanto: fluxo-verso é um livro autossustentável e incapaz de irritar, amor cantado em palavras rebatidas de modo singular, no fio da navalha entre o ingênuo e o honesto, como em Cicatriz: o nosso amor / é um retalho antigo / no meu peito. // de vez em quando / lateja.

Como se invadíssemos aos tropeços um coração intranquilo – a máxima de Syrus de que nem a um deus é facultado amar e manter-se sábio –, Mariela nos conduz em um passeio por cidades e seus nomes, sem medo de não ser hoje, o que é bem incomum – e arriscado. Ela ainda se permite a uns passos de cronista, como no belíssimo noite em mogi:

o homem ao lado assoa o nariz

enquanto a noite despenca em estrelas fúnebres.

foi a lua que, resolvida, esquivou-se

e não mais regressará antes de outros breus.

tenho a cabeça dolorosa e a alma inerte

e um sorriso tolo nos magros lábios.

o homem ao lado assoa o nariz

e a vida segue besta a cada hora do relógio.

ninguém percebe então, senão eu,

que hoje a lua triste esmoreceu.

*

Em 2010, Arnaldo Branco publicou pelo selo Leya Cult o impiedoso Mundinho Animal, a série de animais mordazes que apedrejam o cenário cultural de modo rude, bem rude. Releio algumas tirinhas, quase quatro anos depois, e ainda chego a corar de vergonha – porque, sim, a leitura é destruidora e a vergonha de enxergar-se nos quadrinhos de Branco, mesmo quando em baixa frequência, o que não é sempre, consome.

Três momentos altos – e por extenso:

 

Quadro 1, o escritor de Não Ficção: “No Brasil muito poucos leem…”

Quadro 2, o escritor de ficção: “… Por isso meus livros encalham”.

Quadro 3, o escritor de ficção científica: “Me contento com a posteridade”.

 

O que os críticos querem dizer de verdade:

A) Cinema: “Atuações comoventes” = Filme ruim.

B) Literatura: “O autor experimenta com a linguagem” = Ininteligível.

C) Música: “Tem a música no sangue” = Filho (a) de alguém.

 

Os dois modos do crítico musical:

Iconoclasta: “É um dinossauro, biatch das grandes gravadoras…”

Bróder: “Esse novo artista, um esteta desbravador…”

Ao lado do computador, o músico comenta: “Hum… acho que ‘esteta’ não me define…”

*

Estava pendurado no portão de casa: uma carta branca com uma folha A4 dentro. Na capa: RECADO MUITO IMPORTÂNTE. Resolvi compartilhar por motivos de afeto e carinho.

“A nossa vida terrena é assim mesmo, temos alegrias, chorâmos, Sentimos saudades, aqui tudo passa rápido. O importante é estarmos preparados, para quando morrer ir morar na cidade celestial que “Deus” preparou. Estar preparado, é, aceitar “Jesus” na Sua vida, e Seguir Sempre até morrer. E adorar Sómente “Deus”! O caminho para Seguir, você é quem decide e escolhe. não adore imagem e não se curve diante delas, e não faça feitiçárias. Imagem não é fotografia, imagem é idolátria, e é uma afronta contra “Deus”. “Deus” abomina a idolátria. Leia na tua Biblia católica Habacuque capitúlo :2 no versículo :9 ao 20 e leia apocalipse capitúlo :22 no versículo :8. Siga o caminho da verdade.”

Ricardo Pozzo

Ricardo Pozzo

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