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Ricardo Pozzo
Ricardo Pozzo| Foto:

A partir do texto Perguntas ao escritor, de Michel Laub, publicado recentemente na Folha de São Paulo.

 

Inexistência dos próprios livros

A leitura de certos autores traz um efeito de torpor: por que escrever se eles ou elas traçaram um caminho que nós, em nossa grosseira limitação, jamais conseguiremos atingir, sequer emular? Melhor não publicar em papel, em suma, enquanto não houver certeza de alguma contribuição-expansão. Talvez esta certeza nunca virá, no meu caso. Melhor assim.

 

Defeitos. Vaidade.

Os defeitos interferem de um modo cretino na forma como escrevo: sendo cronista sinto-me impelido, na maior parte das vezes, a atingir o leitor em suas fraquezas, trazendo-o para meu pântano. Meu intento maior é justamente esse: criar alguma música na adversidade. Contudo, tenho um ouvido péssimo. Tento controlar a vaidade como posso, embora não recuse convites para aparecer nos locais de fala do meio literário. A vaidade é como ser viciado em cachaça: no começo parece ruim, depois o consumo pode se naturalizar.

 

Escrever ou não um grande livro

Nunca saberei fazer grandes livros. Faço crônicas. Nunca se chega a um grande livro através de um arremedo de historietas e remembranças. Fujo da pergunta, como se vê. Reconheço, entrementes, que roubo histórias das mulheres que convivo em brevidade. Algumas até sabem e sorriem em um primeiro momento, até logo se insatisfazerem. Não sei se me importo.

 

Quando a tragédia vira literatura

Se prefiro que tal fato não tivesse se tornado literatura? Mentiria se dissesse que não. Os trágicos somente se importam com a própria dor, o que não é exatamente um erro.

 

A crítica negativa

Te garanto: meus melhores amigos desprezam o que escrevo. Sequer me leem, o que acredito ser uma inteligência. Dia desses nasceu o filho de um deles e conversávamos sobre as dificuldades financeiras de se ter um filho em tempos nossos. Passamos três horas falando disso. Certamente ele nunca leu um texto meu na vida. E tenho vergonha de perguntar a algum de meus seis amigos se leram o que andei cometendo. É preciso dominar a vaidade.

 

Independência

Independência é você conseguir ter poucas contas e não depender de grandes somas. Em meio a tudo isso, conseguir transpor as barreiras (e conservadorismos) de cada veículo implantando um tanto daquilo que se considera a própria voz. Para isso é necessário ter alguma voz. Também ajuda ter um veículo para escrever. Não deixa de ser sensato, em última instância, ter outra fonte de renda, como revisor de textos acadêmicos, professor ou balconista.

 

Ideologias

Minha posição é ser sempre contra quem está no governo, não acreditar no coração, um pouco no instinto não é mal e não se levar muito a sério. Desconfiar sempre-sempre dos próprios amores. Avaliar ao máximo os fatores envolvidos antes de sair em defesa de quem se admira.

 

Quem tem o poder

Exerce o poder no meio literário quem edita e quem paga as contas. Mais o segundo do que o primeiro.

 

O escritor fotografado

Penso ser escritor quem escreve e publica livros. Sou, no máximo, um escrevinhador. Portanto, quando sou fotografado, me sinto uma personagem de algo que não sou e nem sei se virei a ser. Percebo, contudo, que a cada ano exerço com mais cinismo esse papel quase de impostor.

 

Admiradores “vulneráveis”

Aceito o café.

 

Velhice e ceticismo: contribuições

A velhice e, por consequência, a perda da ingenuidade levam o escritor com algum compromisso estético a buscar outra soma de palavras. Além de tudo, há uma melhor leitura dos antigos, dos contemporâneos e dos supernovos, o que auxilia na administração do tempo e na escolha de novas leituras. E saber o que não ler, depois de um tempo, é tão importante quanto saber a hora de parar de beber na noite de terça-feira, mesmo que não se trabalhe na quarta-feira cedo. Não me lembro quem disse que escritores, atores e músicos têm menos ressaca porque contam com mais tempo para dormir e abreviar os efeitos negativos dos vícios.

 

Livros publicados por amigos

A melhor coisa a fazer é não ter amigos no meio literário. Não beber com eles, não aceitar café, exceto de mulheres vulneráveis, não responder escritores que pedem crivo. E se o livro do escritor que pede crivo for realmente bom, bom mesmo, o que é raro, tentar fazer a “validação” pessoal por outros caminhos.

 

Resumo da própria obra

O que deu para fazer no intervalo entre leituras irregulares, falta de profundidade intelectual para debater grandes temas e alguns vícios a tiracolo.

 

A pergunta nunca feita

Daniel Zanella, se não existissem as mulheres, você continuaria escrevendo?

Ricardo Pozzo

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