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Ricardo Pozzo
Ricardo Pozzo| Foto:

São Paulo é Cyro Monteiro.

Passamos o último pedágio e vemos os primeiros sinais do colosso de concreto, com suas luzes pirotécnicas e excessivos postos de combustíveis: no som do carro toca Tristezas não pagam dívidas e conversamos sobre bares, mulheres e amores.

Precisamos ir à Rua dos Timbiras, mas estamos rodando há quase uma hora numa chuva de balde e o endereço insiste em se desfigurar. Ao menos, já sabemos que a região de nosso hotel é bem frequentada por travestis, prostitutas, viciados e taxistas. Tem táxi por todo canto.  

Divido o quarto com uma amiga, o que não é, assim, uma experiência usual no aspecto afetivo. Não lembro se já te disse, mas agora em novembro são dez anos que moro sozinho. Temos neste quarto grande cada qual a sua cama, mas são duas frequências no mesmo quarto e os muros de cada corpo. Agito-me porque ainda não bebi. Mas sei, está dito, que devo ser feliz por ter um quarto.

Para morar sozinho por tanto tempo você precisa de quatro coisas:

– Não deixar o coração tomar as rédeas de sua casa;

– Não receber muitas visitas, apenas as essenciais, pois elas, as visitas não-essenciais, prejudicam a frequência interna, como os aviões ao passarem por zonas de turbulência; a turbulência está lá, é o avião que a invade.

– Não comprar coisas que estraguem antes de sua memória;

– Bebida.

Ricardo Pozzo

Ricardo Pozzo

Andamos agora na Rua Augusta à procura de um bar que não seja muito sujo, nem muito limpo, um bar que tenha lugar pra sentar – estamos nessa idade –, a cerveja não custe mais do que seis reais e a gente tenha a confiança de que os copos não foram lavados à base de cuspe.

Tenho uma amiga querida em São Paulo – quantas vezes já te escrevi, meu amor… –, mas ela anda tão distante e desleixada destas questões de amizade que já não lembro a rua de seu desaparecimento: ainda bem que São Paulo faz isso, a imensidão de seus bares impede que nós fiquemos a lamuriar quem gostamos. [Aliás, esta cidade é feita para pisar quem espera hospitalidade.] Ela, agora oficialmente paulistana, me diz que está muito longe. Não respondo, pois a distância que se estabelece dentro de mim é maior do que aqui e o país mais inóspito que você puder imaginar.

Na nossa mesa, quatro espanhóis. Deus meu, essa mulher tem olhos que parecem os mesmos que atravessaram o oceano primeiro e chegaram ao Brasil com todos os arcos-minuto e belezas do horizonte. Um é torcedor do Real Madri, outro do Barcelona. O madridista afirma sua surpresa ao saber que Iniesta casou. Ele não sabia que Iniesta gostava de mulher. O culé contrataca se referindo ao espírito pomposo e conformista do clube da capital, um pessoal que casa com jornalistas…

Relato as peripé(r)cias quase de domínio público da esquadra espanhola na Copa das Confederações, que muito animou as noites pelo país, e a mulher dos olhos de oceano diz-me que isso é motivo de orgulho aos ibéricos: voltar para casa, dizer que perderam, mas não no quesito orgia. Contam uma estranha história minha aí com uma lésbica que usava a mesma marca de cueca que eu. Ela diz, então, que tenho espírito espanhol, o que considero um elogio, embora, se ela me olhasse e dissesse que sou o pior homem que pisou um chão do mundo, ia achar bonito também.

Quero falar sobre os bascos e a minha estranha paixão pelo Athletic Bilbao e San Mamés, mas, de antemão, sou alertado do perigo do tema, historicamente incendiário, então falamos de Rafael Nadal, Alberto Contador, baloncesto, o Espanyol, que é, de fato, o time mais importante de Barcelona – digo sem medo de errar que o Barcelona pratica um jogo antiorgiástico, um futebol em que o gol parece uma mera conveniência, como aquelas mulheres que a gente se afeiçoa, se aproxima, abraça, beija depois de muito tempo e vê que não era nada de mais.

Estou sendo o mais elegante que posso porque exemplificamos com mais intensidade, já que o torcedor madridista ficou interessado em meu empirismo. Convence-me também a explicação para o gol-relâmpago do Brasil na final da Copa das Confederações. Segundo eles, o Hino Granadero é conciso, sem letra e de rápida execução, enquanto o hino brasileiro é longo, cheio de palavras esquisitas e enfadonho. Os jogadores espanhóis não perceberam que o hino do Brasil tinha acabado e quando viram já tinha saído um gol.

Todos vão embora e eu fico um pouco mais pra ver o final do jogo do Corinthians contra o Criciúma. Minha companheira de quarto tem umas questões amorosas a resolver e logo irei para o hotel, pois mesmo em São Paulo não me animo muito para beber sozinho.

Amaldiçoo um pouco as mulheres que a gente espera ver numa cidade que não é a sua casa e estão longe, se fazem longe. A cada bar que espio, a cada casal que me insiro, a cada desnível de calçada que tomo cuidado para não me desestruturar, penso se um dia aprenderei a amar e, assim, alguma mulher estará à distância entre minhas mãos e o coração do tempo.

 

 

 

 

 

 

 

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