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As duas irmãs negras entram em casa e logo fico confuso. O amigo está com qual delas? São lindas e muito parecidas, com longos, imponentes dreads. Mostro os quartos (um), o banheiro (só usem se muito necessário), a cozinha e o escritório (cozinha-escritório). Chegamos à biblioteca, onde realizo o meu número particular. Uma das irmãs me ouve atentamente, enquanto a outra mexe em dois exemplares, demonstrando nítida preguiça de estar ali. Ela volta pra sala. Animo-me com questões de ordem teatral e até mostro à moça que ficou uns textos de quando eu era criança e dizia que A Lista de Schindler era um filme impactante. (Aliás, lá por três horas da manhã farei uma piada muito ruim com essa temática.)

Quando também volto à sala, sento-me no chão, perto da porta, e a irmã de ouvidos atentos senta no colo do amigo, o que gera um evento esclarecedor. A irmã mais nova, detentora de oito tatuagens – contei depois, uma a uma –, senta ao meu lado e pergunta se também não acredito em nada, encostando arbitrariamente a mão esquerda em minha perna. Pergunto se é canhota. A irmã de ouvidos atentos troca a música no computador e avisa que fará uma performance de “Single Lady”, da Beyoncé.

*

Digo que ela pode ter razão em me odiar, mas não de me odiar pelos motivos errados – marque aqui meia hora em que peço desculpas pelo saco de vacilos. Ela afirma, então, que não me odeia, já odiou, mas não odeia, sendo, segundo ela, incapaz da função de armazenamento de rancor. Abraço-a e reitero o quanto gosto dela, levando a amiga ao lado – elas se beijam de tempos em tempos, o que é muito lúdico – a fazer um “óUn…”.

Estamos na sétima cerveja de Largo da Ordem mais cheio do que o normal, eventos em sucessão como a) Aparição e desaparição do ex-namorado dela; b) As duas amigas se abraçando com galhardia; c) Versão pitoresca de “Hang Up”, da Madonna. Diva; d) Passeio metropolitano para melhor efetivação de nossa teoria do sentimento.

Está amanhecendo.

*

Buscamos as duas amigas em casa, cada qual munido com uma caixinha de cerveja. Elas entram no carro. Estão alegres e nós bem dispostos. Chegamos em minha casa e, entre imitações de Marília Gabriela e da abertura em português de The Walking Dead, demonstramos com eficácia os nosso bons augúrios pelas amigas. O casal mais antigo, doravante denominado Casal 1, inicia um périplo afetivo na biblioteca. Permaneço na sala com a amiga da amiga, num entendimento muito saudável, já que somos da mesma cidade.

Eis que estamos reconhecendo o quarto. Como está muito calor, resolvemos ficar mais à vontade. O Casal 1 resolve ser uma boa ideia invadir o nosso quarto, todos sem roupas. A minha companheira fica bem abalada com essa decisão, que ela julga ter sido planejada com muita antecedência, e passa a xingar todo mundo. Sou especialmente classificado como pervertido.

Ela se veste rapidamente, abre a porta e vai embora, não sem antes dizer:

– Por que vocês são assim?

 

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